segunda-feira, 2 de junho de 2014


02 de junho de 2014 | N° 17816
NÍLSON SOUZA

Direito ao esquecimento

Nós, os humanos, somos mesmo uma espécie contraditória. Fazemos tudo para aparecer, expomos nossas intimidades, conseguimos transformar a tecnologia na vitrine de nossas vaidades – e, agora, já estamos querendo ser esquecidos. O Tribunal Europeu decidiu recentemente que os cidadãos da comunidade têm o direito de retirar dados pessoais da internet. Por conta desta decisão, o Google já criou um formulário para que as pessoas possam solicitar o que está sendo chamado de direito ao esquecimento, uma espécie de queima de arquivo do nosso passado na rede.

Por que isso? Ora, porque muitas vezes as consultas nos buscadores desenterram coisas que as pessoas preferem não ver reveladas. Algumas com razão: quem cometeu um erro no passado e já pagou por ele merece recomeçar do zero. Mas os registros digitais são implacáveis. Basta lançar o nome do indivíduo e lá vem sua folha corrida. Só que o apagão também pode favorecer os fichas-sujas, que querem esconder suas falcatruas para poder repeti-las.

O debate não se resume a quem tem ou não culpa em cartório. A discussão é outra: numa sociedade democrática baseada na liberdade de expressão, pode-se apagar a verdade? Regimes autoritários é que tentam reescrever a história em seu próprio benefício. Além disso, quem decide? Será que cabe ao Google avaliar se o pedido de esquecimento é procedente?

De um ponto de vista moralista, o dilema parece fácil de ser equacionado. Não cometa erros e você nunca terá que se preocupar com os seus registros na internet. Mas não é tão simples assim. Qualquer usuário da rede, com ou sem consentimento, tem hoje a sua vida registrada para sempre. Veja-se este exemplo do mundo corporativo: algumas empresas, antes de contratar um funcionário, investigam o que ele posta no Facebook, suas preferências, seus hábitos, suas ideias.

Basta o sujeito ter feito um comentário comprometedor num momento de insensatez, e seu novo emprego já vai para o brejo. E aí não adianta apelar, como fez aquele ex-presidente da República que pediu à nação para esquecer o que ele escreveu.

Acho que esse Alzheimer digital não vai pegar. Mesmo que os buscadores desenvolvam mecanismos eficientes para deletar dados inconvenientes, muitos deles já escaparam do seu controle. Qualquer pessoa pode relançar na rede informações sobre terceiros que tenha arquivado ou pesquisado em outro lugar, até mesmo em registros analógicos.


Suspeito que, infelizmente, já mandamos a nossa privacidade para o espaço. E essa é uma viagem sem volta. Esquecimento? Esqueçam.