MARTHA
MEDEIROS
Não pode
Nunca
tinha feito uma ressonância magnética. Primeira vez. Retirei os brincos, a
roupa e coloquei um daqueles uniformes azuis de doente. Sentei no banco do
corredor, de frente para uma parede, e fiquei ali uns 20 minutos esperando ser
chamada. Tudo prometia ser lento, até meus pensamentos se arrastavam. Quando já
estava quase pegando no sono (era noite), escutei meu nome e entrei na sala.
Outra dimensão. Outro ritmo. Tudo veloz. Ouvi do médico: “Deita.
Levanta
as pernas no três: um, dois, três. Tá aqui os fones de ouvido por causa do
barulho. Tá aqui a campainha se precisar falar comigo. Não te mexe. Não pode. Não
pode”. Levou um segundo e meio para me dizer tudo isso, emendando uma frase na
outra como se fosse um cantor de rap. E lá me fui cápsula adentro. Só lembrava
da parte do “não pode”.
Minha
respiração ficou mais profunda. Não te mexe. Não pode. Respirar podia? Percebi
meu peito subindo e descendo, arfando conforme eu inspirava e expirava. Deveria
trancar a respiração? Havia um som constante nos arredores, parecia o de uma
máquina de lavar roupa em funcionamento. E ali, dentro da cápsula, acontecia
uma rave, batidão eletrônico, deu a maior vontade de dançar.
Não
pode. Não pode. Não pode.
Claro
que, não podendo nada, deu também uma coceira no queixo. Eu precisava tossir.
Uma mecha do cabelo me incomodava junto ao pescoço. Quase funguei. Tive duas
contrações involuntárias nas pernas. O corpo inteiro dava ordens para eu
subverter a situação: vai, mulher, te mexe, coça, tosse, funga. E eu ali, múmia
obediente, embalsamada, petrificada, ansiosa por movimento.
Basta
a gente ouvir um “não pode” para o desejo acordar.
O
proibido é uma tentação, sempre foi, desde Adão e Eva. Avisem-me que “não pode”
e terei vontade de pular o portão que protege um jardim privado, de entrar na
sala destinada apenas aos funcionários, de estacionar na vaga para idosos, de
sentar à mesa reservada para quem ainda não chegou ao restaurante, de fumar
dentro do avião – e eu nem fumo.
Mas
impunidade não é para qualquer um. Cidadãos honestos que pulam muros, entram em
salas privativas, estacionam onde não devem, sentam no lugar destinado a outros
e fumam no banheiro da aeronave certamente serão multados, advertidos,
humilhados. Só se mantém inalcançável o transgressor profissional, aquele que
assalta alguém, rouba um carro – esse ninguém pega.
Então,
eu, bem educada e temente às ordens que me dão, não me mexo. Faço apenas aquilo
que pode, aquilo que resultará num diagnóstico certeiro, sem chance de
equívoco: é uma mulher que dá para se confiar.
Que
vasculhem meu esqueleto à vontade, não há ressonância que revele os pequenos
crimes que nunca cometi.