quinta-feira, 5 de junho de 2014


05 de junho de 2014 | N° 17819
EDITORIAL Zh

LIMPEZA HUMANA

Esta operação de remoção dos mendigos só fará algum sentido se o atendimento for permanente e se as pessoas efetivamente receberem oportunidades de recuperação.

Autoridades de Porto Alegre, como também ocorre em outras capitais que receberão jogos da Copa do Mundo, começam a tomar providências para retirar mendigos e sem-teto das proximidades dos locais do evento, especialmente das áreas que receberão turistas estrangeiros. Em todas as cidades, por orientação preventiva do Conselho Nacional do Ministério Público, administradores, agentes policiais, parlamentares e representantes do Ministério Público discutem como fazer a remoção dos moradores de rua sem que a polícia precise usar a força.

O discurso oficial anuncia o episódio como operação humanitária, pela qual os moradores de rua seriam transferidos para albergues, para ficarem em segurança. Até aí, não pode haver discordância: se existe uma maneira civilizada de transferir desabrigados para lugares seguros e confortáveis, com atendimento, alimentação e tratamento, o problema está resolvido.

Só que não é bem assim. Em primeiro lugar, raras cidades brasileiras possuem rede de abrigagem suficiente e eficiente. Em segundo, como entender que, caso tal utopia fosse real, os administradores públicos ainda não tivessem transferido a população de rua para os abrigos? Só agora na Copa? Fica a impressão de que temos vergonha dos nossos mendigos mas não temos constrangimento em escondê-los. Esta verdadeira limpeza humana das capitais brasileiras só fará algum sentido se for permanente e se as pessoas efetivamente receberem oportunidades de recuperação.

A verdade é que o poder público tem sido incapaz de solucionar o gravíssimo problema das pessoas em situação de rua, especialmente devido à epidemia de crack que grassa no país. Todas as prefeituras possuem os seus serviços de atendimento social, com servidores que se esforçam para fazer a sua parte. Mas é um trabalho de Sísifo, pois os poucos persuadidos a buscar abrigagem voltam no outro dia para as calçadas, porque não aceitam se submeter à disciplina e aos horários dos albergues.


Considerando-se esta realidade, a Copa é bem-vinda, pois recoloca na ordem do dia uma questão nacional que cedo ou tarde precisará ser enfrentada com maior eficácia. O Brasil, seus governantes, suas lideranças e a sociedade em geral não podem continuar fingindo que não veem este verdadeiro exército de zumbis, dispersos pelas ruas e praças das grandes cidades. Não basta escondê-los. Com ou sem Copa, temos que aprender a tratá-los de forma humana, mas consequente.