sexta-feira, 6 de junho de 2014


06 de junho de 2014 | N° 17820
DAVID COIMBRA

50 anos

Tenho mais de 50 anos. Uma vergonha, não deveria estar confessando isso publicamente. Imagino que, neste momento, muita gente deva estar pensando: “Coitado, ele tem mais de 50 anos”. O ideal seria ter 35, esta, sim, uma idade decente, uma idade que um homem anuncia de peito estufado, mas, que fazer?, a vida não é perfeita.

A melhor providência a tomar, quando você tem mais de 50 anos, é reconhecer. Sim, reconhecer é o mais elegante. Admita sua idade com coragem e, se alguém tiver a grosseria de perguntar, diga a dura verdade, mesmo que sussurrando.

É fundamental, também, se conformar. O mundo não é feito para você. O mundo é feito para o futuro, todos estão sempre falando e pensando e planejando o futuro, e ninguém pensa em você como o futuro. Quando você tinha, digamos, 20 anos de idade, aí sim, você era considerado “o consumidor do futuro”. Bons tempos. As empresas adoram o consumidor do futuro. “Temos que pensar no consumidor do futuro”, dizem. “Temos que atrair o consumidor do futuro”. E passam o dia perguntando: o que quer o consumidor do futuro?

Os empresários acham que, se conquistarem o consumidor do futuro, garantirão o futuro das suas empresas. Então, eles fazem tudo para seduzir esse cara de 20 anos de idade. “Agora ele não tem dinheiro, ele parece insignificante, ele só tem 20 anos, mas, quando tiver 50 e se tornar alguém, se gostar de nós, vai nos querer e é conosco que irá gastar o dinheiro dele. Ou seja: com ele, nós temos futuro”.

Certo. Então eles acabam conquistando você. Agora você não é mais um guri distraído. É um homem maduro, que ganha o seu dinheiro e sabe onde gastá-lo: com aquela empresa que o seduziu. Aí, o que eles fazem? Deixam-no num canto e correm atrás de unzinho qualquer de 20 anos de idade.

Ei, eu não era o consumidor do futuro? Vocês não me queriam tanto? Bem, aqui estou eu! O futuro chegou! Eu sou o consumidor que vocês queriam, eu, não aquele frangote de 20 anos que mal tem dinheiro para pagar xis-galinha para a namorada. Sou eu! Eu! Ei, voltem aqui!

Não adianta. Você não é mais o consumidor do futuro. Pode pegar esse seu dinheiro sujo para pagar a cremação.

Tem mais: se você pensa que, desprezado pelo capitalismo, poderá se refugiar no Estado protetor, você está rotundamente enganado. Quando você diz que o país só piora, que a educação piorou, que o trânsito piorou, que a segurança piorou, alguém rebaterá: “Mas a vida melhorou para milhões de pessoas no Norte, no Nordeste e em outros lugares que você não conhece”.

Quer dizer: o governo também não pensa em você. Pensa nessas pessoas desconhecidas que não trabalham e não ganham salário. O governo governa para elas, elas estão contentes porque as casas delas agora têm energia elétrica, então você que fique contente também. Não venha dizer “eu também sou brasileiro, eu também voto”. Não venha querer um governo para você também, não seja egoísta. Por favor, você pode se virar sozinho! Além disso, você está com mais de 50 anos. Jesus Cristo! Não tem vergonha?