sexta-feira, 4 de julho de 2014


04 de julho de 2014 | N° 17849
DAVID COIMBRA

Um homem, uma mulher e dois labradores

Havia um casal estranho no meu hotel. Todas as manhãs, quando eu chegava para o café, eles já estavam lá, sentados a uma mesa discreta, com dois cães labradores aos seus pés. Um labrador era bege; o outro, preto. Ficavam deitados quietos, imóveis, enroscados nas pernas dos donos.

Fiquei impressionado com a obediência e a calma daqueles cachorros. Fiquei também intrigado. O hotel permitia que hóspedes levassem bichos de estimação para os quartos? Ou será que aqueles dois eram moradores das cercanias e iam ao hotel para o breakfast diário? Achei mais provável a segunda hipótese.

Outra coisa chamava-me a atenção: o comportamento do casal. Eles quase não se falavam e, quando o faziam, era sussurrado, perto do inaudível. Sentavam-se eretos como mordomos ingleses e comiam devagar, tão devagar que eu saía e eles ainda estavam lá. Isso todos os dias, todos os dias.

Uma manhã, resolvi investigar mais a respeito do casal. A velha curiosidade de repórter... Dei um jeito de passar pela frente da mesa deles. Só então percebi: eram cegos! Os dois, cegos. Por isso os labradores, por isso a economia de gestos. Era óbvio. Como fui tolo...

Continuei a observá-los a cada manhã. Simpatizei com o casal. Eles conversavam pouco, às vezes eu saía sem que tivessem trocado duas frases. Será que se gostavam? Ou será que já se aborreciam um com o outro? Por algum motivo, intrigava-me saber se ainda havia ternura naquele casal.

Numa manhã de sábado, minhas perguntas foram respondidas. Havia sentado um pouco mais perto deles do que de hábito. Fiquei olhando de lado. Notei que ele falava com ela. Falava calmamente, com as duas mãos postas na mesa. Falou por uns três minutos, enquanto ela o ouvia em silêncio. Ele parou de falar, por fim. E ela, sem dizer palavra, ergueu o braço e fez a mão voar gentilmente na direção dele. Tocou em seu rosto primeiro com as pontas dos dedos, devagar, devagar... e depois estendeu a palma inteira, fazendo-lhe um carinho lento e doce.

Em seguida, ela retirou a mão. E voltou a ocupar-se com seu café da manhã. Ele ficou parado, com os punhos apoiados na borda da mesa. E sorriu.


Não disse nada, não se mexeu, apenas sorriu. Ela não podia ver, mas ele sorria e continuou a sorrir, e era um sorriso manso e satisfeito e intenso. Ali estava, subitamente, um homem feliz. Ele não agradeceu e ela não viu o sorriso, ela não podia ver. Ela nunca vai descobrir como aquela pequena carícia fez bem ao seu companheiro. Ela nunca vai descobrir o poder que exerceu por um momento em outro ser humano. Tive vontade de ir até a mesa deles e avisar: “Ele está sorrindo! Ele está sorrindo!”. Mas me contive. Porque talvez não fosse necessário. Porque talvez o mais belo carinho seja, mesmo, o que não espera retribuição.