RUTH
DE AQUINO
04/07/2014
21h55
O mata-mata depois da
Copa
O
eleitor consciente não quer um presidente que pense e aja como o técnico
Felipão
Que
país é este que melhora quando tudo para, e a bola rola? Os crimes quase somem,
só se pensa positivo, o trânsito flui, os homens choram mais que as mulheres, e
o Brasil dá ao mundo uma lição de civilidade e bom humor, ao reverenciar
craques de fora e confraternizar entre si e com estrangeiros. O povo se dedica
a torcer e festejar, mesmo quando a Seleção decepciona. Hospedar celebrações é
uma vocação nacional.
Não
é, porém, o futebol que determinará o perfil deste país nos próximos quatro
anos. Manter ou mudar? E mudar quem, quanto, onde, com que velocidade para
ajudar o Brasil a competir sem vexame em educação, saúde, transporte,
segurança, meio ambiente e infraestrutura? O mata-mata eleitoral depois da
Copa, quando pendurarmos as rezas, é decisivo e leva jeito de ser desleal.
Vemos
políticos decadentes e reincidentes, que não resistiriam a um tira-teima.
Muitos passes são negociados na alcova. Apesar da bacanal partidária, a
realidade da eleição se limita, no fundo, a dois times: situação e oposição. Os
titulares querem decidir tudo logo. O pessoal no banco luta por uma semifinal e
uma final. O mata-mata deverá dividir o país.
Por
mais que o brasileiro goste de Felipão, de seu ar bonachão e suas
fanfarronadas, o eleitor consciente não quer um presidente que diga, como ele:
“Gostou, gostou; não gostou, vai para o inferno”. Felipão deu essa declaração
na quinta-feira para jornalistas, na véspera do confronto com a Colômbia.
Felipão sempre reagiu mal a críticas à escalação ou a seu estilo. Dias antes,
chamara só alguns jornalistas amigos para dar entrevista. “Aqueles que não
foram convidados, é talvez porque eu não goste tanto”, afirmou Felipão. Ele
criticou a imprensa e deu umas cutucadas ferinas, sem citar o nome, em seu
antecessor, Mano Menezes. Só faltou lamentar a herança maldita.
A
Copa melhorou o humor nacional. Não se respira nada a não ser futebol, e o
brasileiro vai para os bares torcer pelas zebras simpáticas. Não há a mais
pálida lembrança do caos previsto nos aeroportos ou nos estádios, só
reclamações periféricas de obras incompletas, filas e falta de comida. No Rio
de Janeiro, as maiores armas não são fuzis ou metralhadoras, mas coxinhas de
frango, rodízio de churrasco, caipirinhas, sol e telão na praia, namoros em
vários idiomas, feijoada e petiscos nas favelas. Em que próxima oportunidade as
cariocas verão tantos homens juntos, animados e disponíveis? Talvez em 2016.
Nossa
maior tragédia, até a semana passada, era a queda de um “viaduto da Copa” em
Belo Horizonte, com mortes. E a ação criminosa de cambistas. A gangue mais
poderosa, suspeita a polícia, envolve um funcionário estrangeiro da Fifa. Muito
free-lancer vende ingressos descaradamente nas redes sociais, por uma fortuna.
Durante uma semana, tentei em vão comprar oficialmente um ingresso no site da
Fifa para assistir ao jogo Alemanha e França no Maracanã. Uma amiga no Facebook
disse que tinha um amigo “repassando ingressos”. Entrei em contato. Ele queria
R$ 3.500 pelo ingresso de R$ 660, “sem sol nem chuva”. Sério, a quem apelar?
Entre
a Copa e a eleição, teremos pouco tempo para debater nossos desafios e entender
como cada partido pretende escalar os times de governo. Algumas semelhanças os
políticos têm com a Seleção. Falta meio de campo. Os partidos se concentram no
ataque e na defesa, abusam de passes errados. Falta conjunto, sentimento de
equipe. Talentos individuais não mudam o rumo do Brasil. O desespero faz o
capitão do time (ou a capitã) se esconder, com medo de falhar na frente de
todos e bater para fora. Líderes de partidos dão chutões para a frente, sem
saber onde a Brazuca vai parar.
Dá
vontade de dizer que jogar limpo e cadenciado, com criatividade, honestidade e
objetivos concretos, para todo o povo levar vantagem, talvez credenciasse
nossos políticos a ganhar um voto de coração, orgulho e consciência. Do jeito
como anda nossa política, ela desperta vaia, indiferença ou idolatria. Todos
esses sentimentos conduzem à derrota do Brasil nos próximos quatro anos.
Como
atrair os eleitores juniores, se a maior novidade recente do Congresso foi o
implante capilar de Renan Calheiros? Como recuperar a confiança no exercício da
política, se as promessas são sistematicamente quebradas, como se nosso voto
fosse para cambistas?
Os
gols contra do Brasil são péssimos serviços públicos, corrupção em todos os
níveis de governo, assaltos seguidos de morte em qualquer lugar e hora,
infraestrutura precária, inflação alta, crescimento baixo e aumentos
indiscriminados. Os planos de saúde há 11 anos sobem mais que a inflação e
terão reajuste de 9,5%, o maior desde 2005. Esse é o verdadeiro mata-mata brasileiro.