01 de julho de 2015 | N° 18211
MARTHA MEDEIROS
Ainda Cristiano Araújo
Em uma cena de Birdman, o personagem Riggan Thomson, um
astro em decadência, reflete sobre o que aconteceria se ele e George Clooney
estivessem no mesmo avião e ocorresse um acidente fatal. Óbvio: Clooney
estamparia as páginas de todos os jornais no dia seguinte, enquanto que a
Thomson restaria uma nota de rodapé.
Farrah Fawcett teve a infelicidade não só de morrer, mas de
morrer no mesmo dia que Michael Jackson. O senador Antonio Carlos Magalhães
morreu em julho de 2007, três dias depois de um dos maiores desastres aéreos do
país, notícia que monopolizou a imprensa por semanas. As mortes de Farrah e ACM
ficaram em segundo plano. Não é preciso buscar outros exemplos: existe
hierarquia na tragédia.
Gaúchos apegados à sua cultura podem ter considerado
desproporcional a cobertura das mortes de Nico Fagundes e Cristiano Araújo,
mas, sem entrar na discussão sobre o legado de cada um, o desaparecimento do
cantor sertanejo teve todos os componentes para causar comoção – era jovem,
talentoso (dizem os entendidos no gênero), um ícone nacional (também só soube
agora) e morreu num acidente súbito ao lado de uma linda namorada. Não é páreo
para o ocaso de um tradicionalista de 80 anos que transitava dentro das
fronteiras do próprio Estado. Não é páreo em termos de notícia, que fique bem
claro.
Ainda assim, a cobertura televisiva da morte de Cristiano
Araújo causou espanto porque evidenciou a “alienação” de quem não sabia quem
ele era. Alienação ou direito de escolha? Eu não apenas desconhecia Cristiano
Araújo como também desconheço a maioria de seus colegas que compareceram ao velório,
e não pretendo me atualizar sobre eles.
Não sei quem são os expoentes do axé e do forró, quem domina
a cena do pagode atualmente, assim como muitos brasileiros talvez não saibam
quem é Adriana Calcanhotto ou Marcelo Camelo – e muito menos quem é Tulipa
Ruiz, Filipe Catto, Céu, Clarice Falcão. Vai do interesse de cada um. O
problema é que, se a criatura vende milhões, é promovida a fenômeno, e ai de
quem não capitular. Outro dia quase fui espancada por ter feito uma pergunta
inocente: quem é Ludmila?
Houve uma época em que nossos ídolos eram os mesmos e vivíamos
como nossos pais. Todos sabiam quem era Caetano, quem era Rita Lee, gostassem
deles ou não. Agora os gêneros musicais deram cria, as tribos se multiplicaram
e a tecnologia facilitou a popularização: há sucesso para todos os paladares – tantos,
que é impossível acompanhar.
Não há nada de errado em não saber quem era
Cristiano Araújo e isso não significa que sua morte é desprezada, ela apenas não
causa sensação de perda em quem não escutava sua música. A hierarquia do obituário
obedece a critérios midiáticos, já a importância de cada um é medida não por números,
e sim pela qualidade do encantamento que provocou em vida.