05 de julho de 2015 | N° 18215
ANTONIO PRATA
A emenda de Hamurabi
Ontem, escrevi um artigo ponderado contra a redução da
maioridade penal. Começava citando Durkheim, um dos pais da sociologia, para
questionar as causas da violência e os desajustes do nosso país, décimo
primeiro lugar entre os que mais matam, no mundo. Hoje, porém, reli e resolvi
voltar atrás. Quem quer saber de Durkheim? Quem quer saber de sociologia? Quem
quer saber de causas e desajustes? As pessoas querem é ver sangue, querem é programas
policiais vespertinos na voz eufórica de um Marcelo Rezende ou qualquer outro
desses Galvões Buenos da barbárie. Comecemos de novo, então, mais afinados com
nosso tempo.
Comecemos com uma decapitação, como essas tão corriqueiras
no Estado Islâmico e nos presídios brasileiros. O Estado Islâmico, mirim, exibe
as cabeças em sites obscuros da internet. Nós, escolados, as exibimos na TV
aberta, à tarde, sendo atiradas por cima dos muros, no colo de crianças e donas
de casa. Ponhamos nossa decapitação num futuro próximo: comecemos com a
primeira cabeça de um menor de idade, encarcerado junto a adultos, sendo lançada
para fora de um presídio.
Excelentíssimo deputado que votou “sim” pela redução da
maioridade penal, excelentíssima deputada que votou “sim” pela redução da
maioridade penal: parabéns! Esta cabeça vos pertence. Aliás, vocês merecem
estar lá, neste dia histórico. Deveriam ir até a calçada em frente ao presídio,
como nessas inaugurações de obra. Deveriam inaugurar esta cabeça. Deveriam
esticar uma fitinha verde e amarela em torno da cabeça e cortá-la. A fitinha, não
a cabeça – a cabeça vocês já cortaram com seus votos.
Imagino um excelentíssimo deputado – aquele cuja inconfundível
voz nasalada não pode reverberar para além das nossas fronteiras, sob o risco
de ser calada pela Interpol – se gabando, diante das câmeras: “Foi o Maluf que
fez!”. Não seria uma mentira completa, como tantas outras. Caso a redução seja
a aprovada no Congresso e no STF, será uma obra do Maluf, mas junto à maioria
do Legislativo e ao topo do Judiciário, em sintonia com 87% da população
brasileira.
PT e PSDB não precisarão brigar, como sempre, nas últimas décadas,
pela posse desta cabeça. Sem o apoio do PSDB, Eduardo Cunha não aprova nada. E
sem o PT, claro, Eduardo Cunha sequer existiria para além da Guanabara. Eduardo
Cunha é o tão sonhado elo entre os dois partidos – só que num pesadelo.
No texto que eu tinha escrito, aquele que joguei fora, eu
expunha links com dados de alguns países para provar que mais violência por
parte do estado não resulta em menos violência por parte dos criminosos, mas
fui ler um pouco o que diziam os favoráveis à redução e descobri que isso não
lhes importa. As neotietes do Talião não estão preocupadas em diminuir a
criminalidade, elas querem é vingança, querem sangue, querem ver cabeças
rolando, no meio da tarde, como esta que ora lhes ofereço. Olhem bem para esta
cabeça, excelentíssimos deputados. Ela é o produto da emenda da Hamurabi que
vocês estão cunhando – sim, cunhando – em nossa Constituição.
Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Lula, onde estão vocês?
O que aconteceu com seus partidos, que jazem tão acéfalos quanto o corpo do
menino, amarrado às grades da penitenciária, durante este interminável motim?