sábado, 4 de julho de 2015



05 de julho de 2015 | N° 18215 
ANTONIO PRATA

A emenda de Hamurabi

Ontem, escrevi um artigo ponderado contra a redução da maioridade penal. Começava citando Durkheim, um dos pais da sociologia, para questionar as causas da violência e os desajustes do nosso país, décimo primeiro lugar entre os que mais matam, no mundo. Hoje, porém, reli e resolvi voltar atrás. Quem quer saber de Durkheim? Quem quer saber de sociologia? Quem quer saber de causas e desajustes? As pessoas querem é ver sangue, querem é programas policiais vespertinos na voz eufórica de um Marcelo Rezende ou qualquer outro desses Galvões Buenos da barbárie. Comecemos de novo, então, mais afinados com nosso tempo.

Comecemos com uma decapitação, como essas tão corriqueiras no Estado Islâmico e nos presídios brasileiros. O Estado Islâmico, mirim, exibe as cabeças em sites obscuros da internet. Nós, escolados, as exibimos na TV aberta, à tarde, sendo atiradas por cima dos muros, no colo de crianças e donas de casa. Ponhamos nossa decapitação num futuro próximo: comecemos com a primeira cabeça de um menor de idade, encarcerado junto a adultos, sendo lançada para fora de um presídio.

Excelentíssimo deputado que votou “sim” pela redução da maioridade penal, excelentíssima deputada que votou “sim” pela redução da maioridade penal: parabéns! Esta cabeça vos pertence. Aliás, vocês merecem estar lá, neste dia histórico. Deveriam ir até a calçada em frente ao presídio, como nessas inaugurações de obra. Deveriam inaugurar esta cabeça. Deveriam esticar uma fitinha verde e amarela em torno da cabeça e cortá-la. A fitinha, não a cabeça – a cabeça vocês já cortaram com seus votos.

Imagino um excelentíssimo deputado – aquele cuja inconfundível voz nasalada não pode reverberar para além das nossas fronteiras, sob o risco de ser calada pela Interpol – se gabando, diante das câmeras: “Foi o Maluf que fez!”. Não seria uma mentira completa, como tantas outras. Caso a redução seja a aprovada no Congresso e no STF, será uma obra do Maluf, mas junto à maioria do Legislativo e ao topo do Judiciário, em sintonia com 87% da população brasileira.

PT e PSDB não precisarão brigar, como sempre, nas últimas décadas, pela posse desta cabeça. Sem o apoio do PSDB, Eduardo Cunha não aprova nada. E sem o PT, claro, Eduardo Cunha sequer existiria para além da Guanabara. Eduardo Cunha é o tão sonhado elo entre os dois partidos – só que num pesadelo.

No texto que eu tinha escrito, aquele que joguei fora, eu expunha links com dados de alguns países para provar que mais violência por parte do estado não resulta em menos violência por parte dos criminosos, mas fui ler um pouco o que diziam os favoráveis à redução e descobri que isso não lhes importa. As neotietes do Talião não estão preocupadas em diminuir a criminalidade, elas querem é vingança, querem sangue, querem ver cabeças rolando, no meio da tarde, como esta que ora lhes ofereço. Olhem bem para esta cabeça, excelentíssimos deputados. Ela é o produto da emenda da Hamurabi que vocês estão cunhando – sim, cunhando – em nossa Constituição.

Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Lula, onde estão vocês? O que aconteceu com seus partidos, que jazem tão acéfalos quanto o corpo do menino, amarrado às grades da penitenciária, durante este interminável motim?