08 de julho de 2015 | N° 18218
MARTHA MEDEIROS
Sem palavras
Acabo de ser apresentada ao trabalho de John Koenig, um web
designer americano que lançou uma série na internet chamada Dicionário das
Dores Obscuras (Dictionary of Obscure Sorrows). A intenção é nomear emoções
ainda indefinidas. Qual é o nome para aquele desejo de desaparecer que nos
acomete no meio de uma quinta-feira qualquer? Como se chama aquele frisson ao
fazermos um ligeiro contato visual com algum desconhecido?
Que palavra
resumiria o desconforto de perceber que estamos apenas repetindo a história já
vivida por tantos? E a angústia de que o tempo está passando cada vez mais
rápido? A cada semana, Koenig posta belos vídeos de cerca de três minutos
apresentando uma palavra inventada para conceituar tudo isso. O texto é
inteligente, melancólico e comove. Como diz uma amiga minha: como é que ninguém
pensou nisso antes?
O projeto é original (vale a pena dar uma olhada, está no
YouTube), mas fiquei pensando: a gente precisa mesmo nomear o inominável? Me
vieram à cabeça dezenas de situações que experimento e que nunca foram
batizadas. Por exemplo, algo bom me deixar inexplicavelmente triste. Lembrar
cenas de um passado remoto que não sei se aconteceram mesmo ou se inventei.
Abrir meu coração e, ainda assim, parecer que estou mentindo. Ter a súbita
consciência de que não faz sentido me preocupar com o que quer que seja. Não
conseguir desviar os olhos do fogo. Estar numa festa e sentir como se estivesse
vendo tudo aquilo de fora, como se eu não estivesse ali de verdade. Imaginar
coisas terríveis acontecendo com quem mais amo, logo com eles.
Ao entrar nesse assunto, é inevitável lembrar a palavra
saudade, que não existe no vocabulário de quem fala inglês. Anglo-saxões
costumam sentir falta (I miss you), mas não possuem um substantivo que defina
essa sensação de ausência dolorida.
Nós possuímos e a usamos sem parcimônia.
Nas redes sociais, declaramos sentir saudade de amigos, inimigos, de tudo e de
todos, da última festa, do último beijo, do último churrasco, saudade de ontem
e também dos velhos tempos, saudade dos outros, de nós mesmos, saudade de quem
se foi para sempre e de quem viajou semana passada, saudade de sabores, de
músicas, de turmas, de épocas. É tanta saudade assim? Ou o fato de termos uma
palavra à mão é que invoca tamanha nostalgia?