segunda-feira, 2 de abril de 2018


02 DE ABRIL DE 2018
TEATRO

Espetáculo em Curitiba debate a liberdade de expressão


DOMÍNIO PÚBLICO reúne no palco quatro artistas que foram alvo de polêmica

O sorriso enigmático de Mona Lisa serve de metáfora para quatro artistas, alvos de polêmicas no ano passado, debaterem a liberdade de expressão. Domínio Público, espetáculo criado a convite do Festival de Teatro de Curitiba, onde estreou na última quinta-feira, é um trabalho conjunto entre o performer Maikon K, a atriz travesti Renata Carvalho e os coreógrafos Wagner Schwartz e Elisabete Finger. Busca responder às agressões sofridas pelos quatro em 2017.

Maikon foi preso por atentado ao pudor numa apresentação em Brasília de DNA de Dan. No trabalho, ele tem a pele coberta por uma película que descama, revelando seu corpo nu. O cenário, uma bolha de plástico, foi rasgado na abordagem da polícia. Renata, que interpreta um Cristo transexual em O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu, teve sessões da peça vetadas pela Justiça depois de o trabalho ser acusado de desrespeitar religiões. 

Wagner foi chamado de pedófilo após uma sessão no MAM de La Bête, performance na qual o artista tem seu corpo nu manipulado pelo público, alusão à obra Bicho, de Lygia Clark. Na ocasião, viralizou na internet um vídeo com a imagem de uma criança tocando a perna e a mão do coreógrafo. Elisabete, que assistia ao espetáculo, é a mãe da criança. Os quatro artistas foram alvos de linchamentos virtuais e fake news.

Já o título de Domínio Público remete à forma como seus trabalhos e suas vidas foram apropriados por outros e tirados de contexto.

- Debatemos muito o que a gente iria falar depois que tanta coisa já foi dita - conta Elisabete.

- As pessoas que nos criticavam geralmente não conheciam a gente - comenta Wagner.

Mas a virulência vista na internet não se repete em cena. Pelo contrário. É num tom sereno e com toques de ironia que o quarteto conduz o espetáculo. Como numa palestra, sobem ao palco cada um a sua vez. Têm ao fundo uma reprodução de Mona Lisa e discorrem sobre a história do quadro, suas interpretações e polêmicas, traçando alusões sutis aos seus casos particulares.

Domínio Público joga muitas questões para a plateia.

- Debatemos como se criam as ficções e como as pessoas aderem a elas - afirma Maikon. - Qual a sua responsabilidade quando lança a versão de uma história na internet?

O quadro de Da Vinci surgiu ao acaso, na busca por um ícone de domínio público. Acabaram vendo na obra uma forma de debater o processo histórico de perseguição e intolerância.

Segundo Elisabete, que desde a polêmica no MAM, em setembro, não falou publicamente sobre o caso, a peça é sua forma de se expressar.

- O teatro é o meu lugar de fala. Para mim, que estava lá (na sessão de La Bête) como público, é muito difícil aceitar que eu precise me justificar sobre isso.

Durante o processo de criação, conta Renata, estavam todos ainda "adoecidos, com medo de se expor".

- Tínhamos uma questão: resolver um problema que criaram para a gente - afirma Wagner.

O artista diz ter recebido cerca de 150 ameaças de morte após a polêmica e que, por meses, quis ser envolto por uma redoma de vidro como a de Mona Lisa.

- Mas hoje eu não preciso mais dessa parede.

Folhapress - MARIA LUÍSA BARSANELLI