sábado, 19 de abril de 2014


20 de abril de 2014 | N° 17769
 MARIO CORSO

O inferno é personalizado

A transformação era assustadora. Meu amigo levava uma vida de tal modo desregrada que chamá-lo de punk seria uma ofensa a essa comunidade. De repente, o encontro banhado, barbeado, correndo na rua de manhã cedo. Já tinham me dito que ele não fumava nem bebia mais, e que drogas eram coisa do passado. Agora não acreditava nos meus olhos.

Milagres e conversões acontecem, a questão é: por quê? Como a curiosidade mata e tenho intimidade fui perguntar. A resposta foi direta: eu morri. Depois entrou nos detalhes. No óbito estava junto com amigos médicos que não praticam os conselhos que dão aos pacientes. Bebiam todas e ele, repentinamente, caiu duro no chão do restaurante. Foi ali mesmo que a perícia dos amigos o resgatou da morte.

De qualquer forma ficou morto por uns minutos, o suficiente para passar para o lado de lá, e pegar como as coisas funcionam no além. Resumindo: ele foi direto ao inferno, e embora ficasse pouquíssimo tempo, como o tempo lá é diferente, entendeu toda a lógica.

Primeira coisa que me diz: esqueça todas essa balelas de chamas e labaredas. Existem novas diretrizes e isso mudou. É um clima bom, melhor que o de Porto Alegre. O problema é a rotina. Quando você chega teu inferno já está pronto, o que você vai fazer, onde vai comer, com quem reparte o quarto, enfim, as coisas práticas. É tudo organizado e sem erros. Cada um ganha uma plaquinha com o nome e já sai com a roupa destinada. Nada de uniforme, o vestuário também é personalizado, ele por exemplo saiu de terno, gravata e sapato desconfortável.

A comida eram várias opções de arroz integral, leite de soja e tofu. Mas antes que alguém se encante com esse cardápio vou avisando: se você aqui come isso, lá vai ser torresmo e dobradinha. Entenderam a lógica?

Outro exemplo, meu amigo disse que sua TV era BBB onde todos eram evangélicos. Futebol só reprise das campanhas do seu Grêmio, mas Brasileirão de 1991 e 2004. Se ele desligasse a TV automaticamente ligava o rádio com música natalina e vice-versa. Mas o detalhe que o desesperou: sua cota de álcool era saquê, um copinho, em cada Carnaval de ano bissexto, e só. Claro que lá ele tinha uma esposa, ela nunca parava de falar e fazia faxina dia e noite. O que ele não chegou a entender é se ela era apenada, e aguentá-lo fazia parte, ou era apenas uma sádica avulsa. De qualquer forma, sua conversão a uma vida saudável tinha raízes bem firmes.


Enfim, o que devemos reter da experiência é que o medonho, em sua infinita criatividade, desenhou um inferno para cada ser humano. Como será o seu?