Ferreira
Gullar
Arte de enganar
pobres
É
muito fácil assumir o governo e passar a dar comida, casa e dinheiro a milhões
de pessoas
A
esse populismo, que surgiu na América Latina há alguns anos, entendi de
chamá-lo de neopopulismo para distingui-lo do outro, de décadas atrás,
originário da direita, como o de Perón, na Argentina, e o de Getúlio Vargas, no
Brasil; o atual, que Hugo Chávez intitulou de socialismo bolivariano, como o
nome está dizendo, quer ser socialismo, isto é, de esquerda.
De
fato, não é nem socialismo nem de esquerda, mas sim uma contrafação do projeto
revolucionário que, em nosso continente, após o fim da União Soviética, ficou
num beco sem saída: não podia insistir na pregação de uma ideologia que
fracassara nem converter-se ao capitalismo, contra o qual pregava.
Por algum
tempo, o PT ainda teimou em sua pregação esquerdista, mas, em face das
sucessivas derrotas de Lula como candidato à Presidência da República, teve que
mudar o discurso e, ao chegar ao governo, seguir as determinações do regime
capitalista. Mas teve a esperteza de usar o poder para ampliar ao máximo o
assistencialismo, em suas diversas formas, desde o Bolsa Família até medidas
econômicas para ampliar o consumo por parte das camadas mais pobres.
A
preocupação, portanto, não era, e não é, governar visando o bem-estar da nação
como um todo, mas, sim, usar a máquina do Estado para crescer politicamente. O
neopopulismo é isso: distribuir benesses às camadas mais pobres da população
para ganhar-lhe os votos e manter-se indefinidamente no poder.
Não
resta dúvida de que reduzir a miséria, melhorar as condições de vida dos mais
necessitados, está correto. O que está errado é valer-se politicamente de suas
carências para apoderar-se do governo, da máquina oficial, dos recursos
públicos e usá-los em benefício próprio, sem se importar com as consequências
que decorreriam disso.
É
nas consequências que está a questão. A desigualdade social é inaceitável, e o
objetivo de um governo efetivamente democrático é enfrentar esse problema e
fazer o possível para resolvê-lo; como não é fácil resolvê-lo, deve, pelo
menos, tomar as medidas certas nessa direção. Mas é mais fácil fingir que o
resolve.
Foi
Marx quem disse que só se muda o que se conhece. Noutras palavras, para
resolver um problema como o da desigualdade social, há que conhecer-lhe as
causas e as dificuldades para superá-las. É uma ilusão pensar que ele só existe
porque os governantes nunca quiseram resolvê-lo. Isso, em muitos casos, será
verdade, mas não basta querer. Pior ainda é fingir que o está resolvendo, lançando
mão do assistencialismo demagógico próprio do populismo.
É
fácil assumir o governo e passar a dar comida, casa e dinheiro a milhões de
pessoas; dinheiro esse que devia ir para a educação, para o saneamento, para
resolver os problemas da infraestrutura, ou seja, para dar melhores condições
profissionais ao trabalhador e possibilitar o crescimento econômico. Esse é o
caminho certo, que nenhum governante desconhece e, se não o segue, é porque não
quer. O resultado é que não se formam profissionais e torna-se inviável o
produto exportável, fonte de recursos para o crescimento econômico.
As
consequências inevitáveis desse procedimento são, por um lado, induzir milhões
de pessoas a não trabalharem e, por outro, inibir o crescimento econômico,
enquanto aumentam os gastos públicos.
O
neopopulismo, fingindo opor-se à desigualdade social, na verdade induz os
beneficiados pelo Bolsa Família a só aceitarem emprego se o patrão não assinar
a carteira de trabalho, o que constituiu uma conquista do trabalhador brasileiro.
E foi o governo do Partido dos Trabalhadores que os levou a esse retrocesso.
Pode? Não por acaso, o Brasil é hoje um dos países onde se pagam mais impostos
no mundo, enquanto o número dos que vivem do dinheiro público aumenta todos os
dias. Fazer filhos tornou-se fonte de renda.
Assim
é o populismo de hoje, que veio para supostamente reduzir a pobreza, quando se
sabe que uma família, por receber mensalmente menos da metade de um salário
mínimo, não deixa de ser pobre. Claro, não passa fome, mas jamais sairá do
nível de carência, a que se conformou, subornada pelo assistencialismo
governamental. Esse é o verdadeiro mensalão, que compra o voto de milhões de
eleitores com o nosso dinheiro.