27
de abril de 2014 | N° 17776
MARTHA
MEDEIROS
Eu nos outros
Estava caminhando pela rua quando passei por uma
mulher muito charmosa, e seu charme era consequência de diversas escolhas
acertadas, a começar pelo cabelo.
Um
corte chanel repicado, rebelde, volumoso, e uma franja comprida e displicente
que dava ao look um ar de acordei assim e saí pra rua, e deve ter acontecido
mesmo, ela acordou e saiu pra rua sem nem se olhar no espelho antes, tinha um
cabelo que não dava trabalho e a deixava com uma aparência moderna e jovial,
mesmo com seus 40 e tantos. Pensei: adoro cabelo curto. Nas outras.
Como
ela usava uma camiseta regata, vi que tinha uma grande tatuagem no braço. Era
um desenho estilizado, parecia uma padronagem de tecido, não era uma frase, um
bicho ou qualquer coisa distinguível – apenas um desenho abstrato que para ela,
e só para ela, fazia todo o sentido e a personalizava num grau único.
É
provável que ela tivesse também tatoos mais delicadas atrás da nuca, no pulso
ou no tornozelo, mas a do braço, imensa, era um ato de bravura. Era uma mulher
tão colocada, tão escandalosamente ela mesma, que também me senti tudo isso
pelo simples fato de apreciar nela o que não tenho a audácia de fazer em mim.
Adoro tatuagens. Nos outros.
E
ela carregava nas mãos uma jaqueta de couro vermelha. Eu nem precisava ver como
ela ficaria vestida com a jaqueta, simplesmente todas as blogueiras de street
style a perseguiriam com suas lentes se a vissem caminhando com aquela
displicência de quem nasceu para desfilar com uma jaqueta de couro vermelha no
meio da tarde de uma segunda-feira a caminho de um encontro com algum amante
libanês (não parecia uma mulher que estava indo à missa).
E lá
se foi ela portando nas mãos aquela peça vermelha que eu achei incrível, eu que
não tenho uma única peça vermelha no guarda-roupa, e indo ao encontro de um
fantasioso amante libanês que tampouco faz parte do meu currículo.
O
que me impede de tosar o cabelo, fazer uma tatuagem no braço e comprar uma
jaqueta vermelha? Nada. Simplesmente acontece de a gente gostar muito de certas
coisas, mesmo não tendo impulso suficiente para adotá-las como nossas. É um
exercício elevado de apreciação: saúdo quem acorda às 5h da manhã para correr e
também quem atravessa a noite dançando – não faço uma coisa nem outra.
Admiro
quem tira um ano sabático para meditar num ashram e também quem vai a Nova York
de três em três meses. Quem decide não ter filhos e quem tem e ainda adota
alguns. Quem coleciona amantes e quem mantém um único e eterno casamento.
Quisera eu poder contar com sete vidas para abraçar todos os jeitos de ser e de
estar no mundo, mas tendo uma vidinha só, faço as escolhas que melhor me
identificam, sem deixar de aplaudir as minhas renúncias. A todas as outras
mulheres que não sou – ou que não sou ainda – meu sorriso e uma piscadinha
cúmplice.