21
de abril de 2014 | N° 17770
ARTIGOS
- Paulo Brossard*
A poeira da
violência
Às
vésperas da Semana Santa, período de recolhimento espiritual e meditação,
ocorre em região tradicionalmente pacífica, delito inacreditável e de inédita
malignidade. Mas dele basta lembrar. Realmente desejo comentar o fenômeno em
sua generalidade.
Não
é de hoje que vem se noticiando o aumento e agravamento da violência. Em outro
tempo, um tempo que não é distante, eram raras as casas residenciais que tinham
grades e hoje é raro as que não as tenham. Grades em tudo, em moradias de maior
aparência e também de médias e até modestas. Quadras inteiras gradeadas.
O
cenário é humilhante. Da porta de entrada à janela, no pavimento superior,
grades e grades. Não são por adorno, mas por segurança, senão por medo. Isto
nas casas de famílias, a revelar a extensão e profundidade do fenômeno. Já não
falo no que se passa nas ruas como arrancar a bolsa de uma senhora, outrora
inatacável e respeitável, hoje vítima quiçá preferencial. Bater uma carteira?
Há especialistas! As vítimas apelam à polícia! Para quê? A partir daí quadros
se sucedem. Pessoas idosas gozam de privilégios e de respeito? Ledo engano! Bem
ao contrário.
Pessoas
que recebem pensões ou proventos em datas certas são alvos preferidos à saída
de bancos, são acompanhadas e no momento apropriado depenadas. Manifestações
que não acabam em atos de violência, vidraças e vitrinas quebradas, não são
manifestações. Queimam carros e ônibus por qualquer motivo ou sem motivo, que
seriam asselvajados em qualquer lugar do mundo. A preferência agora é incendiar
veículos estacionados, vão se tornando corriqueiros. A quanto sobe a lesão
material desses bens? Em muitas dessas depredações, a polícia não interfere,
assiste. É orientação superior. A degradação dos sentimentos humanos é visível
e vai se tornando tolerável mercê da habitualidade.
A
própria linguagem vai se deturpando e se adaptando aos novos padrões, mas se
não estou em erro, o eufemismo vem da autoridade. Vandalismo passa a ser
manifestação social; corrupção, malfeito; invasão, ocupação; mascarado,
manifestante; furto, roubo, apropriação; troca de legenda, governabilidade... e
assim por diante.
A
nova sinonímia espelha a realidade do fenômeno e seu significado real.
Mas
ele atravanca, a meu juízo, na violência disseminada; se há professores
ásperos, há alunos violentos em relação aos seus professores, que, outrora,
eram respeitados, mesmo quando não apreciados. Suponho que o automóvel tenha
sua pitada de responsabilidade. O automóvel, quanto melhor, maior a influência
em seu motorista. Mas estou me excedendo em coisas fúteis quando o tempo da
Páscoa é de paz, de meditação e silêncios. O diabo é que nem os dias pascais se
mantêm imunes à poeira da violência que penetra em toda a parte, embora não se
sabe donde vem; vem quando menos se espera e donde nem se imagina; vem com a
naturalidade do pólen das flores ou do canto dos pássaros, ainda que de outras
nascentes e outras destinações.
*JURISTA,
MINISTRO APOSENTADO DO STF