domingo, 27 de abril de 2014

Elio Gasperi

Tião Viana desovou os haitianos

O governador do Acre exportou os refugiados sem aviso ou cuidado e achou um bode: a 'elite paulista'

Na semana em que o papa Francisco canonizou José de Anchieta, o governo do Acre completou a desova, em São Paulo, de 400 haitianos que se refugiaram no Brasil. É um truque velho, usado até mesmo com brasileiros. Quando um prefeito incomoda-se com a chegada de migrantes, dá-lhes algum dinheiro e passagem de ida para outro lugar, desde que não apareçam mais por lá.

Em São Paulo, os haitianos ficaram sob a proteção da Igreja Católica. No século 16, quando Anchieta andava pelo Brasil, a cultura europeia entendia que os índios nem gente eram. Passaram-se cinco séculos, o governador Tião Viana mandou refugiados haitianos para São Paulo e acusou a "elite paulista" de "preconceito", quando uma secretária do governo estadual classificou seu comportamento como "irresponsável".

Foi ele quem exportou os refugiados, sem dar um só telefonema ao prefeito petista Fernando Haddad. O problema que está no seu colo deveria ser tratado com o ministro petista da Justiça, não com a empresa de ônibus. Não é justo que a economia do Acre receba o impacto de 20 mil refugiados, mas a solução de Viana foi demófoba e sua justificativa, demagógica. Salvo a elite petista, nenhuma outra tem algo a ver com isso.

Os haitianos estão amparados pela mesma fé que movia Anchieta, na paróquia de Nossa Senhora da Paz. Faltaram recursos, comida e até mesmo colchões ao padre Paolo Parise, que cuida do lugar. Há dias, voluntários começaram a chegar à paróquia. Alguns foram cozinhar, outros ofereceram empregos. Até quinta-feira, a paróquia não havia recebido qualquer ajuda federal, estadual ou municipal.

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, faz o que deve, o comissário Fernando Haddad, também, e Tião Viana diz o que quer. Juntando tudo, nada.

LIÇÃO DE ANCHIETA

Coincidindo milagrosamente com o feriadão, o presidente do Senado, Renan Calheiros, e seu colega Ricardo Ferraço foram a Roma para assistir à cerimônia de canonização do padre José de Anchieta.

A gentileza dos senadores custou à Viúva R$ 9.000 em diárias, noves fora as passagens. Essa conta não saiu por menos de R$ 30 mil. Não é muito dinheiro, mas é mais do que Anchieta teve em toda a vida, andando pelos matos brasileiros.

O santo escreveu um poema louvando o governador Mem de Sá. Num verso, referindo-se aos índios que ele combateu, Anchieta ensinou:

"Para este gênero de gente não há melhor pregação do que a espada e a vara de ferro."

GLEISI E VARGAS
A política paranaense faz milagres. Em 2011, quando o desempenho patrimonial de Antonio Palocci levou-o à frigideira, a senadora perguntou a Lula se era "estratégico" defender o comissário que comprometia o projeto político do partido.

Passaram-se três anos. O deputado André Vargas era um dos coordenadores da campanha da senadora ao governo do Paraná. Ela lastimou suas traficâncias, sustentou que a sua renúncia ao mandato é questão de "foro íntimo" e generalizou o problema: "O fato em si foi muito negativo, não só para o PT, mas para a política brasileira". Pegou leve.

PADILHA

A vulnerabilidade da candidatura de Alexandre Padilha não vem só do que pode ter acontecido no Ministério da Saúde quando ele lá estava.

Vem da convicção com que defendia negócios que cheiravam mal e, comprovadamente, revelaram-se escandalosos.

COMEMO-LO

Saiu nos Estados Unidos um livro que retoma um mistério cinquentenário. O que aconteceu em 1961 com Michael Rockefeller, filho de um dos homens mais ricos e poderosos do mundo, quando estava na Nova Guiné pesquisando uma comunidade que vivia na Idade da Pedra?

Na versão oficial, o jovem de 23 anos morreu afogado. O jornalista Carl Hoffman vai até o limite numa brilhante exposição do caso. Ele foi comido. Hoffman acha que chegou aos nomes e às causas. Contudo, quando faltava a prova final -os óculos de Michael-, venderam-lhe um modelo dos anos 90. O livro chama-se "Savage Harvest" (colheita selvagem), e está na rede por US$ 12,99.

Os magníficos totens que Michael recolheu na Nova Guiné estão no museu Metropolitan de Nova York, numa ala que leva seu nome.

ESTATÍSTICA

Na sua briga com a direção do PT, o deputado André Vargas teve o apoio de pelo menos 30 dos 88 colegas da bancada-companheira.

Conseguiu-se uma amostra do tamanho da banda que cultiva a tática do "partir-pra-cima".

EREMILDO, O IDIOTA

Eremildo é um idiota e entendeu a decisão do Supremo Tribunal Federal. Fernando Collor de Mello foi absolvido das acusações de corrupção, e João Goulart teve o seu mandato restabelecido pelo Congresso. Ele lembra que houve uma época em que os descendentes da família imperial brasileira tinham direito a passaporte diplomático.

O cretino acha que falta pouco para que se revogue o ato de rebeldia de Pedro de Bragança em 1822. Quando isso acontecer, Eremildo poderá conseguir seu sonhado passaporte da União Europeia.

O FMI SABE TUDO, MAS NÃO CONTA O QUE FEZ

O Fundo Monetário Internacional voltou a assumir funções oraculares em relação à economia brasileira e advertiu para o alto grau de endividamento das empresas nacionais. É provável que tenha razão.

Mesmo assim, a doutora Christine Lagarde poderia ajudar a instituição que dirige, abrindo os arquivos do FMI relativos ao que se chama de "crise da dívida da América Latina", mas que também poderia ser chamada de "crise do crédito da banca americana". Ela começou em 1982 e custou ao Brasil, com a primordial ajuda de seu governo, a famosa "década perdida".

O país devia mais de US$ 50 bilhões, os bancos sabiam que não teriam como recebê-los e o FMI entrou na parada oferecendo socorros temporários, assumindo o monitoramento da administração da economia brasileira. Chegaram a mandar inspeções quinzenais a Brasília. Nesse período, o governo assinou seis (ou sete) cartas de intenção. Cumpriu nenhuma.

Nos arquivos do FMI pode estar uma chave desse mistério. Sabiam fazer contas, mas não sabiam ler?

A memória de um negociador brasileiro revela o seguinte: "Assinamos a primeira carta por engano. A segunda, por distração. A terceira porque somos mentirosos, mas você não acha que, a partir daí, ou mesmo antes, estava tudo combinado?"

Ajudado pelo governo americano, o FMI fazia a segurança da banca. Em 1989, quando os balanços das casas credoras já permitiam que remanejassem suas cifras, a Casa Branca empurrou-lhes goela abaixo um plano de espichamento da dívida. O Citi tentou refugar, mas o secretário do Tesouro americano, Nicholas Brady, ligou para o seu presidente, e ele cedeu. "Eu podia ouvi-lo com o telefone longe do meu ouvido", contaria John Reed.