28
de abril de 2014 | N° 17777
LIBERATO
VIEIRA DA CUNHA
Um astro
tropical
Algum
dia ainda por acontecer, um crítico sério fará a lista dos maiores escritores
do Brasil em todos os tempos, e, se o cara for realmente sério, não esquecerá o
nome de João Antônio.
Tive
o prazer de conhecê-lo numa das Feiras do Livro de Porto Alegre, quando ainda
funcionava o Bar Nota 7, ao redor do qual flutuava em espumas de chope toda uma
geração literária. Reencontrei-o depois em Berlim rapidamente, pois ele estava
de partida para a Holanda.
Voltamos
a nos ver em Curitiba, na primavera de 1990, como jurados do Prêmio Paraná,
então o mais importante do país. Era para darmos um veredicto sem demora –
todos já tínhamos lido e avaliado as centenas de contos, mas João Antônio tinha
outros planos: transformou o que seria um par de dias dedicado a sessões
formais num lúdico feriadão. Foram noites e madrugadas insones nem sempre
dedicadas a temas literários. Mas com um acréscimo: a visita inesperada ao
nosso hotel de ninguém menos do que Dalton Trevisan, o Vampiro de Curitiba.
Quando
João Antônio descobriu que eu sabia algo mais do que o trivial variado sobre
Machado de Assis, não descansou enquanto não arrancou toda a minha ciência
acerca do Bruxo do Cosme Velho. Escutava cada fato e detalhe com a atenção de
um menino e fazia dezenas de perguntas sobre o mistério que cercava um de seus
amores: Capitu, a dos olhos de ressaca.
Outras
vezes falava infindamente sobre seus diálogos com as gaivotas. Isso mesmo:
gaivotas. Morava a poucos metros das areias de Copacabana, na Praça Serzedelo
Corrêa, onde morreu, e contava de seu especial apreço por nadar em alto-mar,
entre o azul das águas e o dos céus. Era ali naquele infinito horizonte que
gaivotas curiosas pousavam junto a ele e estabeleciam uma conversação que ele
reproduzia com a facilidade com que produzia sua literatura inimitável. Era um
astro de primeira grandeza.
Por
que falo tudo isso?
Porque,
esses dias, dedicado a um de meus esportes preferidos, que é o de inspecionar
sebos, descobri, num canto de prateleira, um exemplar de Malagueta, Perus e
Bacanaço, seu primeiro livro e de todos o meu preferido. Estava sem capa e
maltratado pelas traças.
Como
dizem agora os anúncios de TV, fiz um bom negócio. Arrematei-o na hora e já
providenciei para que seja medicado e transplantado para a minha biblioteca.
Resta
que a memória de João Antônio passe por similar processo em um cenário bem mais
amplo: o dos maiores nomes da literatura brasileira.