21
de abril de 2014 | N° 17770
LUIZ
ANTONIO DE ASSIS BRASIL
Personagens
Hoje,
tal como estivessem num romance, todos querem ser personagens. De preferência,
protagonistas, ou mesmo únicas. O romance se constrói, como sabemos, a partir
de suas personagens, e não a partir de sua história. Alguns romances “sem
história” estão entre os mais importantes da literatura mundial.
Uma
boa personagem “cria” sua história, e isso é suficiente para que aconteça um
bom romance. Exemplo: Memórias Póstumas de Brás Cubas, que não possui uma “boa
história” – é apenas a vida de um homem – no entanto, é capaz de captar nossa
atenção do início ao fim, o qual, aliás, já sabemos desde a primeira página.
As
relações sociais de nosso tempo, cada vez mais complexas, propiciam o
surgimento de personalidades singulares, ou mesmo agrupamentos, que são
cooptadas canhestramente pelo mainstream, o qual se encarrega de incluir tais
personagens na teia da história, trabalhando, portanto, num processo inverso ao
da criação do romance.
As
famas, tão instantâneas como fugazes, pervertem o sentido do continuum que é a
vida. De certo modo, rompem com a história clássica. Em suma: não se nega a
complexidade individual dessas personagens, mas aquilo que aparece na sociedade
do espetáculo, a pensarmos com Guy Debord, é apenas uma faceta, a necessária
para cumprir uma frase do romance – às vezes um rodapé – para depois
desaparecer para sempre.
Essas
tristes personagens, em seus minutos de apogeu, são incapazes de “criar” um bom
romance e, no entanto, todos querem desempenhar esse papel efêmero, mesmo à
custa de portarem um rótulo, sempre falso, para o resto de suas vidas.
Mas
nem esse temor os impede de ser personagens por um dia, ou uma semana ou dois
anos. Tal como no mau romance, entretanto, essas personagens acabam na
esterilidade, e o leitor, ávido de novidades [a época atual é a mais
novidadeira de todas] vai à busca de outras celebridades.
O
que foi dito acima apenas traz à luz da teoria da criação do romance algo que
já pertence ao domínio cultural contemporâneo. E se a literatura pode ser o
retrato da vida, também é uma forma de interpretação desse retrato, em que
vemos milhares de personagens improvisados, não à busca de um autor, mas de uma
história em que possam pedir carona. Mas, como tudo que é feito com pressa,
essa carona pode estar destinada a um desastre ao dobrar da esquina.