20 de abril de 2014 | N° 17769
VERISSIMO
Meu
valor
Como todo homem tem seu preço, e a corrupção é o que mais dá
dinheiro no Brasil hoje, decidi calcular o meu valor para o caso de quererem me
comprar. É bom ter o nosso preço na ponta da língua e sempre atualizado, pois –
para usar a frase-lema do Brasil dos nossos dias – nunca se sabe.
Nossa autoavaliação deve ser objetiva. Costumamos nos dar
mais valor do que realmente temos e há o perigo de, por uma questão de amor
próprio, nos colocarmos fora do mercado. Também tendemos a valorizar coisas
que, no mundo eminentemente prático da corrupção, não valem muito, como bons
hábitos de higiene e a capacidade de mexer as orelhas. O que vale é o que
podemos oferecer para o lucro imediato de quem nos comprar.
As pessoas se queixam da falta de ética no Brasil e não se
dão conta de que isso se deve à pouca oportunidade que o brasileiro comum tem
de escolher ser ético ou não. Eu tenho tanto direito a ser corrupto quanto
qualquer outro cidadão, mas não tenho oportunidade de sequer ouvir uma proposta
para decidir se aceito.
A corrupção continua ao alcance apenas de uns poucos
privilegiados. Por que só uma pequena casta pode decidir se vai ter um
comportamento ético enquanto a maioria permanece condenada à ética compulsória,
por falta de alternativas? Quando me perguntam se sou ético, a única resposta que
posso dar é a mesma que dou quando me perguntam se gosto do vinho Chateau
Petrus: não sei. Nunca provei.
Quem me comprar pode não lucrar com minhas conexões no
governo ou com o conteúdo, inclusive, dos meus bolsos. Mas e o casco? Quanto me
dão pelo vasilhame? Pagando agora eu garanto a entrega do corpo na hora da
minha morte, com os sapatos de brinde. Tenho muitos anos de uso mas todos os
sistemas em razoável estado de conservação, precisando apenas de alguns ajustes
das partes que se deterioraram com o tempo. Meus cabelos são poucos mas os que
ficaram são da melhor qualidade, do contrário não teriam ficado. Não dão para
uma peruca inteira, mas ainda dão para um bom bigode.
Meu cérebro, vendido à ciência, daria para alimentar vários
ratos de laboratório durante semanas. Prejudicaria um pouco seu desempenho no
labirinto, mas em compensação eles saberiam toda a letra do bolero No Sé Tú.
Minhas entranhas dariam um bom preço em qualquer feira de órgãos usados,
dependendo, claro, do poder de persuasão do leiloeiro (“Leve um sistema
cardiovascular e eu incluo uma caixa de Isordil!”). Meu apêndice, por exemplo,
nunca foi usado.
Tudo calculado, descontada a depreciação, devo estar valendo
aí uns, deixa ver... Mas é melhor não me anunciar. Vai que aparece um corruptor
em potencial e eu descubra que não só não valho nada como estou lhe devendo.