28
de abril de 2014 | N° 17777 LETICIA WIERZCHOWSKI
Da angústia
Numa
caminhada vespertina, escutei de uma amiga querida e cheia de talento que a sua
angústia era às vezes avassaladora. Confesso que me espantei (sou eu mesma,
caros leitores, uma angustiada-mor) porque essa amiga sempre me pareceu uma
flor de serenidade, e muitas vezes, subindo pelo teto do meu quarto, pensei
nela como um ideal de equilíbrio a ser alcançado. Demos muitas voltas nós duas
naquela caminhada, e não fizemos apenas as nossas pernas trabalharem.
Ora,
todo o criativo é um ser angustiado por natureza. O ato de criar é em sua
gênese um ato de não conformidade. Quando eu crio alguma coisa – seja um
romance, uma música ou um vestido – é porque não estou satisfeito com aquilo
que já existe e que se encontra ao meu alcance. Eu busco alguma coisa ainda não
vislumbrada, e é a minha angústia com o que me rodeia, ou o meu olhar sobre
essa angústia, que me faz ir em frente – ou seja, criar. Com os anos, aprendi a
respeitar a angústia, pois ela me abre a porta das possibilidades.
A
angústia é a mola propulsora da minha criatividade, o grande problema é lidar
com ela. Quando fico muito tempo sem escrever, esse sentimento que serve como
azeite para as minhas engrenagens mais profundas e impalpáveis, costuma vazar
para outros espaços e, por vezes, causa os seus problemas – bem utilizada,
correndo pelo cano do trabalho criativo, a minha velha angústia é como a água
saindo pela torneira: é fundamental no meu dia a dia.
O
problema é quando ela escapa da tubulação, infiltrando-se pelas paredes da
minha vida real, alagando espaços estanques, confundindo tudo. Às vezes
acontece – talvez por isso eu esteja sempre às voltas com um novo enredo, um
livro infantil ou romance a ser terminado.
Dançamos,
minha angústia e eu, um infindável tango pelos dias e noites, e ocasionalmente
até fazemos bonito, senhoras e senhores. Às vezes, eu a guio; noutras – a
maioria – é a angústia quem me guia. E eu lembro de Nietzsche e simplesmente me
deixo levar.