06
de julho de 2014 | N° 17851
FABRÍCIO
CARPINEJAR
A última bolacha recheada do
pacote
A
vingança é um efeito colateral da vaidade. É um sinal da arrogância que existia
desde o começo da relação.
Ninguém
se torna vingativo, as pessoas já são vingativas e demonstram a predisposição
de destruir logo no primeiro encontro.
A
vingança não é uma novidade do fim, mas uma notícia velha do início.
Não
venha dizer que só conheceremos com quem a gente se casou quando nos separamos.
A gente conhece de quem a gente vai se separar quando casamos.
Quem
se acha demais acaba se vingando. Porque pensa que, ao namorar, realiza um
favor. Porque pensa que, ao namorar, concede o bilhete premiado de sua
companhia. Porque pensa que, ao namorar, está garantindo a simpatia de sua
conversa, a gentileza de sua personalidade, a dádiva de sua alegria, o luxo de
seu humor, atributos raros e impossíveis de se jogar fora.
Quem
se acha demais não namora, na verdade dá uma chance.
O
tipo narcisista se coloca na posição de provedor da verdade. É afetado,
unilateral e autoritário – tornou-se assim pela beleza, pelo dinheiro ou pela
projeção social.
A
questão é que se enxerga perfeito e intocável e confunde sua presença amorosa
com filantropia.
O
narcisista não admitirá qualquer crítica, e a separação é a maior delas,
discordância evidente de seu modo de vida.
Jamais
aceitará que errou, jamais pedirá desculpa, jamais arcará com a
responsabilidade de seus atos, jamais carregará culpa pelo distanciamento. Não
tem humildade da autocrítica para acolher suas falhas, muito menos sente o
remorso que vem da saudade. Não tem aquela pontada natural após uma ruptura,
aquela tristeza baldia e consciência aguda de que foi desatento e que poderia
ter sido diferente.
Não
atravessa o luto, parte direto para a represália. Uma vez rejeitado, fará de
tudo para mostrar que a pessoa nada é sem ele. Diante de uma ruptura, pode
deflagrar perseguição, boicote e uma série de constrangimentos sociais. Procura
humilhar quem antes adorava, procura rebaixar quem antes endeusava. Troca de
lado: odeia com todo o ânimo quem amava.
Sua
generosidade é investimento ou um modo de manter o controle da situação. O que
oferece ao longo da convivência cobrará no final.
É
tão centralizador que usa a dor para aumentar seu poder e castigará qualquer um
que renunciou o prazer de seu reflexo.
O
narcisista é vingativo por perceber o amor como uma monarquia. Sem ele, o outro
não é nada, não tem história, não tem passado, não tem futuro. Distanciado de
seu domínio, perde o direito à coroa e converte-se, de novo, em reles súdito.
A
vingança é vaidade, mas não tema, não se acovarde.
A
última bolacha recheada do pacote ficará para as formigas.