08
de julho de 2014 | N° 17853
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Entre nós
Sou
do tempo em que as famílias tinham sempre uma criança que morria.
Ou
no ventre ou dos perigos da hora. Ou por alguma doença ou por uma fatalidade na
infância.
Morria-se
de tuberculose, de pneumonia, de descuido.
Nascimento
não oficializava filho, era preciso ainda sobreviver.
Mães
geravam cinco a 15 crianças, uma gravidez atrás da outra. Dificilmente todas
chegavam à vida adulta. Raramente alcançavam a velhice.
Junto
às lápides dos avós, nos cemitérios do interior, natural localizar uma cruz
infantil. Com a data de nascimento próxima da data de morte, de doer a vista
para quem visitava os parentes falecidos.
Bebês
quase aproveitavam o mesmo grito de nascimento para sua despedida,
representavam verdadeiros relâmpagos da existência.
Qualquer
casa contava com uma criança morta, um fantasma mirim, alguém para lamentar o
fim precoce e rezar rolando as pedras do terço pela mão.
Edir
Macedo, o líder da Igreja Universal, é um dos sete filhos que restaram de 33
gestações de sua mãe. Trinta e três gestações! Eugênia sofreu 16 abortos e
perdeu 10 filhos prematuros. Suportou a perda de 26 rebentos. Enterrou 26
rebentos em seu coração. Não podia nem se dar ao luxo de se entristecer porque
seus meninos e meninas vivos esperavam o jantar ficar pronto.
Não
era fácil atingir a maioridade. Filhos se viravam, trabalhavam cedo, pegavam na
enxada, estavam sujeitos a acidentes, sem nenhuma proteção.
Os
berços de madeira formavam caixões.
Sou
do tempo em que morrer não rendia cerimônia. Lamentava-se por uma semana, e resolvia
o luto observando as estrelas e contando histórias.
Meu
pai teve sete irmãos, um deles faleceu: Elisabete, aos 12 anos. Ele lembra que
dividia a escova de dente com sua irmã e aceitou o fato como uma provação.
As
famílias sofriam uma baixa, uma perda invariavelmente. Uma cama restaria vazia,
um lugar na mesa se manteria maldito, brinquedos seriam reutilizados como
talismãs de um ente querido.
Sou
o terceiro filho de quatro irmãos. Eu, Rodrigo e Miguel guardamos uma diferença
de dois anos exatamente. Entre a Carla e o Rodrigo, a diferença é de cinco
anos, quebrou-se a escadinha, pois a mãe perdeu uma gestação no meio deles.
Na
minha adolescência, a mãe escutava esse filho que não veio conversando com a
gente. Diante da ausência falante, não reagíamos com medo e pavor; filhos
morriam ou não nasciam e seguiam sendo lembrados a trajetória inteira.
Não
separávamos morrer e não morrer. Não representavam dimensões opostas, conceitos
antagônicos. O sobrenatural não nos assustava, tampouco nos ameaçava. Não se
culpava Deus por aqueles que se iam, mas se agradecia a Deus por aqueles que
permaneciam.
Sou
do tempo em que se acreditava que um dia todos se encontrariam novamente no céu
– só era questão de tempo.