05 de julho de 2015 | N° 18215
L. F. VERISSIMO
Carinho
Um pouco de história antiga. Ninguém sabia explicar como um
copo do Hotel Everest, de Porto Alegre, tinha ido parar na nossa casa. Até que
alguém se lembrou: o Vinicius! Ele e o Toquinho estavam se apresentando na
cidade e tinham ido fazer seu show para o meu pai, a domicílio. O Vinicius
tinha o hábito de carregar sempre um copo de uísque onde quer que fosse. É possível
que até hoje exista um copo da nossa casa no Hotel Everest.
O uísque foi o combustível de uma época, no Brasil. Bebia-se
outras coisas, mas nada significava o mesmo que um uisquinho, nada merecia
tanto o diminutivo carinhoso. Uma das cenas engraçadas daquele documentário
sobre o poeta que fizeram há alguns anos é a do Vinicius e do Tom escorando-se
mutuamente e lamentando o que as mulheres tinham acabado de fazer com garrafas
de uísque. Garrafas cheias, escondidas para que os dois não bebessem mais. A
insensibilidade. A audácia. O ultraje!
Contavam que depois que os médicos proibiram o Rubem Braga –
acho que era o Rubem Braga – de beber uísque, ele enchia um copo com gelo e
ficava sacudindo ao lado da orelha, só para ouvir o barulho. O barulhinho. O
afeto era tanto que o som do uísque dispensava o uísque. De certa maneira, toda
aquela época foi vivida assim, com um copo de uísque sacudindo ao lado da
orelha. Mesmo quando não havia o uísque, havia a trilha sonora.
A gente vê aquele filme com um certo ufanismo – que país
talentoso, né? – e uma certa tristeza. Por quê? Pela perda do Vinicius, do Tom
e de tanta gente que partiu, claro, mas não é só isso. O Chico, o Caetano, o
Gil, o Edu, o Ivan e os outros continuam aí, cada vez melhores, a garotada (como
se vê no filme) é muito boa, o que é que falta? Não deve ser o uísque. Com todo
o seu simpático folclore, a cultura do uísque fez seus estragos em fígados e
carreiras. Talvez sejam apenas os nossos 20 anos que também se foram. Ou então
uma ideia de país que se perdeu.
A não ser que se quisesse enfrentar uísques de fundo de
quintal – e algumas marcas nacionais eram mortais –, o uísque era uma bebida
cara. O escocês legítimo era para quem podia, e eu decididamente não podia. Tomava
Cuba Libre (Coca-Cola com rum, ou o que passava por rum). E tomava demais. Só não
me tornei alcoólatra porque minhas ressacas eram tão catastróficas, que fui
obrigado a escolher, acordar todos os domingos num inferno biliar, depois de um
sábado de excessos, ou continuar vivo.
Quando finalmente tive condições de beber uísque bom, o uísque
tinha saído de moda. Não ficou nem o barulhinho do gelo num copo vazio. E o
que, no Brasil de hoje, merece um diminutivo carinhoso?