RUTH DE AQUINO
03/07/2015 - 22h18 - Atualizado 03/07/2015 22h25
Caindo na real
Grande parte da população quer hoje pena de morte, armas,
ditadura – e se lixa para os direitos humanos
Chego ao Brasil. Pego táxi de cooperativa no Aeroporto
Internacional Tom Jobim, nosso sempre velhusco Galeão, no Rio de Janeiro. Puxo
conversa com o taxista. Seu nome não é revelado, por motivos óbvios. Ele não
sabe que sou jornalista. O desabafo dura a corrida inteira.
“A economia tá parada, só um ou outro avião vem cheio. Nossa
economia vive da corrupção. Sem propina, paralisa. Meu faturamento caiu 40%.
Tínhamos na cooperativa um contrato com a Odebrecht. Foi cancelado agora. Tudo
aqui neste país você precisa dar 10% a mais. Eu tinha de pagar também para a
Odebrecht. Nossas corridas eram todas superfaturadas para o diretor que pegava
o táxi levar o dele.”
“E a violência? Tá aqui em cima, olha (indicando o painel do
carro, junto à janela), bem à vista, meu celular falso, para eu dar pra
vagabundo. Todo dia tem algum arrastão na Linha Vermelha. Na minha casa, no
Méier, não posso esperar o portão da garagem abrir para eu entrar. Já tive três
carros roubados assim, à mão armada. Três.”
“Recuperei os carros roubados, mas tudo depenado. E não são
os bandidos que depenam não. É a polícia. Eles tiram, antes de devolver, o tal
kit PM. Rodas, rádio, tudo o que der para tirar. E a gente, para recuperar,
precisa pagar à polícia a taxa de resgate. E a mídia não fala nada disso. Só sabe
mesmo quem tá na rua, trabalhando.”
“Depois as autoridades vêm me falar das UPPs. Isso aí
ninguém quer. Nem os bandidos nem os policiais. Tenho um sobrinho que saiu do
Exército e não quer ficar em UPP. O que ele diz é: ‘Tio, nós somos humilhados
ali. Jogam água, jogam mijo na gente. Não podemos dar um tiro que a gente vai
preso. Ficamos ali só gastando combustível e enxugando gelo’.”
“Isto aqui, se não ficar igual à China, não vai dar certo.
Tem de ter uma ditadura rígida, pena perpétua, morte. Se os caras não ficarem
com medo, vão continuar. Tem corrupção em tudo que é lugar. No Detran, nas
delegacias, nos batalhões, nos hospitais. E o governo leva também o seu, por
trás de toda essa engrenagem. Isso não vai acabar nunca. A não ser que a gente
adote a seguinte regra para todo mundo: escreveu, não leu, o pau comeu.”
O taxista está revoltado. Com a Odebrecht, com a PM, com os
governos, com os bandidos. É duro ouvir. Nem falo nada. Não adianta.
Lá de fora, acompanhamos a novela atual de maior audiência,
o petrolão. Mais ex-diretores da Petrobras no xilindró. Prejuízo da corrupção
sobe aos píncaros, R$ 19 bilhões. Surgem golpes simplórios contra quem mais
necessita: promessas falsas de emprego, tirando R$ 20 de um, R$ 50 de outro. Os
sanguessugas pagam fiança e respondem em liberdade. Assaltos a banco, tiroteios
nas favelas, falência de empresas, novos aumentos de combustível e luz.
Lula atordoado, atacando Dilma. Dilma atordoada, atacando
delatores. Congresso atordoado, vaivém na redução da maioridade penal. E toma
mais provocação do Senado – aprovado o reajuste de 59% a 78% para os servidores
do Judiciário, com impacto de R$ 25,7 bilhões nos cofres públicos. Eduardo
Cunha e Renan Calheiros, os populistas cavaleiros do apocalipse, se unem por um
único credo: hay gobierno, soy contra. Veta, Dilma, veta.
Enquanto isso, a mãe dos pobres resolve economizar R$ 8
bilhões em cima do abono salarial, devido neste semestre a quem ganha até dois
salários mínimos. Devo, não nego, pago quando puder. Tudo pelo ajuste, para
fechar as contas em 2015. Injusto.
Continua a esquizofrenia do país duplo. De um lado, ferro na
iniciativa privada, desestímulo a quem quer abrir um negócio, burocracia
enlouquecedora, impostos altíssimos cobrados de quem produz e sem beneficiar o
povo. Do outro lado, benesses para servidores públicos, que já dispõem de
aposentadoria integral e vitalícia.
O que mais choca, no entanto, é a miséria de nossa Educação.
O relatório do Movimento Todos pela Educação é desolador. Mais de 2 milhões de
crianças ainda estão fora das escolas. Em regiões carentes, as escolas são
precárias, e o ensino de baixa qualidade. Entre 15 e 17 anos, 1,6 milhão
abandonam os estudos. Só 9,3% dos que concluem o ensino médio sabem matemática.
Só 27,2% dominam o português. Na outra ponta do ensino, a maior universidade
federal do país, a UFRJ, com greve e obras paradas por corte de verbas, ameaça
fechar em setembro, sem condições de pagar por limpeza, segurança, portaria.
Só confiarei num presidente que mude essa tragédia, de verdade.
Uma maciça parcela da população (e não é a elite) quer hoje pena de morte,
armas, ditadura e se lixa para direitos humanos. Também é resultado de falta de
Educação. Cair na real não precisa ser cair no abismo. Acorda, Brasil.