
27 de Junho de 2025
A árvore da ganância
O Jabuti é o maior prêmio literário do país. Mas, no contexto político, o simpático bichinho se tornou sinônimo de dissimulação: é aquele trecho estranho, enfiado num projeto de lei que trata de outro assunto, geralmente para aprovar mudanças impopulares sem chamar atenção.
Muitas vezes passa despercebido, camuflado em meio a termos técnicos e prolixos. No mundo parlamentar, o ato não recebeu o apelido por causa da lentidão do réptil, e sim porque jabuti não sobe em árvore. Se você vê um lá no alto, é porque alguém o colocou nos galhos.
Ou seja: se há algo suspeito, deslocado, fora do lugar numa legislação, não é erro, mas armação. Alguém o pôs ali, por acordos de bastidores. Para ilustrar: entrou em votação um projeto de lei sobre regulamentação da energia eólica offshore ("longe da costa", em inglês) - energia gerada por turbinas instaladas no mar, onde os ventos fortes e constantes produzem eletricidade limpa, sem queimar combustíveis ou poluir o ar.
Nesse projeto, cujos vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foram derrubados pela maioria dos deputados e senadores em sessão do dia 17, acabou incluído um extravagante jabuti: subsídios a empresas eletrointensivas, que nada têm a ver com o foco original da proposta.
O rombo, segundo a Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia (Abrace), pode chegar a R$ 197 bilhões até 2050, com elevação média de 3,5% nas tarifas de energia - diferença que será repassada a nós, consumidores residenciais e comerciais.
Paga-se o favor com o chapéu alheio. Ao autorizar as contratações e exceções desses grupos, o Congresso preserva a vantagem de poucos e despeja a sobrecarga sobre os ombros curvados da população.
O casco do animal legislativo projetará uma sombra enorme sobre os consumidores residenciais e comerciais, onerando ainda mais nossas contas de luz. E nem precisamos balançar a árvore do Congresso para que caiam outras surpresas negativas, além dos próprios jabutis.
Foi aprovada no Senado, na noite de quarta-feira, a criação de 18 novos deputados federais, elevando as vagas da Câmara de 513 para 531. Enquanto países como a Itália cortam representantes legislativos, aqui se vive uma realidade paralela, nababesca.
A medida gerará impacto de R$ 64,6 milhões por ano, segundo a Direção-Geral da Câmara. Mas especialistas estimam até R$ 150 milhões anuais, considerando verbas indiretas. Ao longo do mandato de quatro anos, o sobrecusto poderá subtrair R$ 600 milhões dos cofres públicos.
Na hora de aumentar deputado, há pressa, o expediente fura a fila, enquanto urgências reais mofam na pauta. Na hora de garantir privilégios, há mobilização e quórum, enquanto cerca de 2,6 mil matérias sensíveis para os cidadãos estão engavetadas (Benefício de Prestação Continuada, auxílios sociais, acesso ao transporte, saúde neonatal, direitos trabalhistas).
A semente da ganância promete se espalhar pelas Assembleias Legislativas, num efeito cascata. Não duvido que usem o exemplo para também ampliar cadeiras estaduais. O que mais espanta é o desdém pela opinião pública. Os deputados viraram as costas para o sentimento do povo que deveriam representar. Segundo o Datafolha, 76% dos brasileiros se posicionaram contra o aumento de cadeiras.
Para completar o cenário: ocorreu a anulação do veto presidencial que barrava a correção inflacionária acumulada do Fundo Partidário - resultando num acréscimo de R$ 168 milhões, totalizando R$ 1,368 bilhão para 2025.
O reajuste será baseado na inflação desde 2016, e não a partir de 2023, como manda o regime fiscal vigente. Num país que cria partidos a cada eleição, com uma sopa de letrinhas que hoje soma 29 siglas registradas no TSE (24 com representação no Congresso), estamos diante de um disparate que nos empobrece - e enriquece o Fundo Partidário.
Parece que dinheiro dá em árvore, jabuti dá em árvore, deputado dá em árvore. _
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