
12 de Junho de 2025
Cartolinas esquisitas na gaveta
Ao procurar uma aspirina na cabeceira da esposa, estranhei que sua gaveta estava emperrada: papéis grossos não permitiam puxá-la. Com jeitinho e paciência, consegui abri-la. Havia realmente cartolinas imensas travando a passagem. O que era aquilo? O que Beatriz inventou de acumular?
Mas, então, vi a minha letra. Não me recordava de ter comprado papéis especiais naquela dimensão, muito menos de ter redigido quaisquer bilhetes naquele tamanho. Fui tentando decifrar o conteúdo e o ano dos recados. Simplesmente não me lembrava.
Desdobrei o material e compreendi: tratava-se de dedicatórias feitas nas sacolas dos presentes de Dia dos Namorados. Eu sempre acrescento uma declaração, uma piada interna, um comentário espirituoso.
Beatriz recortou o papelão, preservando as mensagens. Retirou as embalagens de suas alças e as converteu em cartõezinhos de amor.
O hábito dela me comoveu. Nem das sacolas ela se livrou. Nem o que lhe escrevi nos embrulhos ela foi capaz de jogar fora. Ela vive me guardando - guardou inclusive o que eu não tive intenção de tornar perene.
Se você não gosta do Dia dos Namorados, não critique, não condene, não fuja das surpresas e dos regalos. Não busque ser diferente dos demais. Pense que, para o seu par, pode ser um momento importante - uma data fundamental para renovar o gosto da boca, o valor do beijo e das mãos dadas. Um pretexto para voltar a gargalhar e reaver a paixão adormecida pelos hábitos. Não subestime a efeméride só porque você não é fã da celebração. Não se isole, não proteste dizendo que é apenas um dia comercial, artificial, consumista.
Enxergue com os olhos do outro. Pegue a esperança emprestada. E se a sua esposa ou namorada estiver aguardando o encontro durante o ano inteiro? Não imponha a sua perspectiva. Saia do seu lugar de contestação e preconceito.
Entenda a magnitude do gesto. Mesmo aquilo que você rabiscou correndo - um "eu te amo", um desenho, um beijo, um "obrigado por existir" - é conservado pela sua parceira como uma relíquia da gentileza.
Não importa se você deixou na geladeira, ou em cima da mesa da cozinha: ela recolhe e coleciona. A caligrafia endereçada a ela a impede de descartar. Isto é amor: quando nada do que foi escrito é dispensável. Tudo é legenda de um instante juntos. Tudo é rascunho permanente.
O que você anota por alguns minutos acaba virando eternidade para alguém. Transforma-se em moldura, porta-retratos, herança. É envernizado pelo tato, mantendo-se inviolável ante a erosão do tempo.
Você troca presentes nas lojas, mas não troca cartões. São sob medida. Servirão para vestir as suas melhores lembranças. Nem o papel de presente é posto fora, tamanho o carinho com a festividade. Se ela cuida de sua palavra, capriche com suas ações.
Não magoe os sonhos de quem está ao lado, em seu namoro ou casamento. Espie mais o que tem nas gavetas - e no coração. _
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