07
de abril de 2014 | N° 17756
ARTIGOS
- Paulo Brossard*
A revisão da
anistia
Confesso
estar impressionado, e não é de hoje, com o que me parece uma espécie de
esquecimento quanto ao que foi feito, progressivamente, em matéria das
instituições nacionais, estaduais e também municipais. Dirigentes partidários,
administradores de mérito, parlamentares de variado prestígio, pela lei da morte
ou não, foram se extinguindo sem renovação. Hoje é difícil saber quais e
quantos são os ministros, e se faz necessário divulgar o respectivo curriculum
vitae para saber-se de quem se trata. E o mesmo se pode dizer das
representações parlamentares. Não se sabe donde vêm, nem para onde vão.
É
claro que para explicar um fenômeno haverá uma pluralidade de causas, mas, para
mim, uma das maiores reside no período de governo absoluto servido por uma
censura absoluta. Tudo poderia ser feito e tudo veio a ser feito, sem que
notícia deles chegasse sequer a uma parcela mínima da comunidade. O segredo era
total.
Basta
dizer que, durante o tempo em que estive próximo aos acontecimentos, nunca
chegou ao meu conhecimento algum dado concreto relativo a uma atrocidade, que
me tivesse sido revelado, por exemplo. De outro lado, por incrível que possa
parecer, ninguém estranhou que a “Constituição” ostentava a declaração dos
direitos e garantias individuais, que eram excluídos pelo AI-5; em outros
tempos, em casos semelhantes, não faltaram manifestações de entidades docentes
ou culturais, que naquela época fora omissas.
À
certa altura, a oposição passou a defender a anistia – “ampla, geral e
irrestrita”, e como falasse em “anistia recíproca” o governo, irritado, proclamou
que os vencedores não precisavam de perdão. Certo dia, porém, a “bomba do
Riocentro” estilhaçou os segredos e num dado momento o governo percebeu que a
ele também interessava a anistia e, mediante transigências, ela foi aprovada;
posso dizer que sem elas, então, a anistia não seria decretada. Não foi a
anistia que eu queria, mas foi a possível e que, Deus louvado, sem exagero,
mudou a face do Brasil.
A
anistia decretada pela Lei 6.683 de 28/8/1979, agora apontada como merecedora
de revisão, parece não ter sido desprezível. A meu juízo, foi necessária e
benéfica, mudou a face do Brasil. A propósito, lembro que a senhora Dilma
Rousseff foi por ela anistiada, e hoje é a presidente da República.
Pois
se lembro dessas coisas é porque, agora, ao ensejo dos 50 anos do movimento que
culminou no afastamento do presidente Goulart, começou a falar-se
abundantemente em “revisão da lei de anistia”, quando, decorrido mais de um
terço de século, uma unanimidade nacional se estabeleceu a seu respeito.
Ora,
a anistia é de aplicação instantânea e imperativa, independente de quererem ou
não seus destinatários; sua amplitude atinge até condenação criminal transitada
em julgado; a que foi decretada em 28/8/1979, pela Lei 6.683, apagou a todos os
que, entre setembro de 1961 a
15 de agosto de 1979, cometeram “crimes políticos ou conexos com eles,
eleitorais...”. De modo que, o que havia deixou de existir, como se nunca
houvesse existido; destarte, uma revisão da lei de anistia se assemelharia a
uma anistia retroativa a deparar com o vácuo. Enfim, a anistia de 1979
anistiou.
Lamento
que não possa estender-me sobre a anistia, importante e interessante. Premido
pelo espaço, noto apenas que ela não se funda na Justiça, mas na temperança, no
esquecimento, e, particularmente na paz, que a juízo da lei, se faça
aconselhável.
*
JURISTA, MINISTRO APOSENTADO DO STF