08
de abril de 2014 | N° 17757
MARIO
CORSO (Interino)
Estatísticas
abusadas
E
sses tempos, vi uma camiseta com os dizeres: 95% de todas as estatísticas são
inventadas, 70% das pessoas sabem disso. Essa piada é teste para nerd, se você
riu, é um deles. Se não acha graça, bom, é piada nerd. Lembrei desse paradoxo
jocoso, que faz uma afirmação na qual a negação é implícita, a propósito dos
dois vexames da semana passada.
Primeiro,
foi o Ipea que inverteu um resultado de pesquisa causando uma comoção. Ele nos
fez acreditar que dois terços dos brasileiros concordam que as mulheres
estupradas fazem por merecer, ou por estarem usando pouca roupa, ou de alguma
forma sendo provocativas. Vexame dois: ninguém se tocou de que os números não
batem com a realidade. Ao contrário, houve quem disse sentir isso na pele, e
que os dados só confirmam sua intuição prévia.
E
como fica agora, que é o oposto? Corrigidas as tabelas, sabemos que é um quarto
dos brasileiros que pensa semelhante disparate. Embora o número ainda seja
problemático, é desproporcional com o anterior quase na razão de três para um.
Ou seja, segue sendo um resultado ruim, mas não tão absurdamente ruim como
antes. Não é um número que nos faça parecer talibãs, é a realidade dura da
América Latina machista. Como fica então a intuição? Ou só nos prova que a
intuição pode ser o pântano dos nossos preconceitos, caminho para enganos?
Maldosamente,
é o momento de lembrar das piadas sobre estatística, aquela ciência que diz que
se eu comi um frango e meu vizinho nada, estatisticamente cada um de nós comeu
a metade. Ou como se diz: ela é que nem biquíni, mostra tudo menos o essencial.
Mas a questão não é a estatística, ela é só uma ferramenta.
O
que fica claro é que temos um fetiche com números. Eles, por si sós, parecem
revestir os fatos de ciência anunciando uma verdade. As ciências sociais
carecem do charme da certeza que a ciência dura diz ter. Quando alguém chega
analisando a fluidez da nossa subjetividade com números e tabelas, tendemos a
uma aceitação sem a salutar desconfiança.
Mas
um erro pode nos mostrar uma verdade, nesse caso duas. A primeira é que a
sensação de medo que o estupro move, e a bestialidade que seu ato encerra, nos
remete a um pensamento superlativo. Talvez o aceite do exagero seja
proporcional ao absurdo, tanto do ato como do pensamento que culpa a vítima.
Segundo,
parece que a camada pensante não conhece bem a sociedade brasileira. Basta
chegarem dados que falem mal de nós, que não só acreditamos, como emendamos
outros impropérios sobre o nosso atraso e falência moral. Quando julgamos nosso
país, somos dotados de um pessimismo trágico, tenazmente arraigado. Por alguma razão,
nos apraz ver-nos piores do que somos. Já que estamos falando de abusos, não
seria também um abuso pensar tão mal de nós mesmos?