13
de abril de 2014 | N° 17762
MARIO CORSO
Carecas
Meu amigo caminhava na Borges, ladeava o Parque
Marinha, quando passa um ônibus de excursão de colégio. Entre a algazarra
escuta algo particular: E aí, careca!. Olha para os lados numa derradeira esperança,
mas não resta dúvida, não há mais ninguém, o careca é ele. O ônibus da
juventude passou, e ele não estava dentro.
Ele
já sabia. Acompanhava triste as partidas cotidianas, o travesseiro lhe fazia
confidências, a limpeza do ralo era uma tortura. Porém, nunca tinha ouvido a
maldita palavra, e isso faz toda a diferença. Seu antigo cabelo cacheado, que
já não consistia, ganhara uma tesourada verbal.
Este
foi o último dia de seu lamento, raspou o cabelo. Ao não esconder nada,
recuperou a felicidade e a autoestima. Insiste que a única atitude digna de um
homem é assumir, pouco importa a idade em que venha o infortúnio. Segundo ele,
não se trata de colocar de lado a vaidade e a elegância, mas cabelo é projeção
de uma atitude masculina por excelência.
A
experiência lhe fez adotar uma filosofia: julga os homens a partir de como
tratam a decadência de seus cabelos. Diz que ali moram informações valiosas
sobre o caráter masculino. Afirma que já não se engana com eles, e acredita que
se as mulheres prestassem atenção a esse detalhe evitariam muitos dissabores.
Para
as mulheres, que talvez não nos entendam, falamos da mesma desordem cósmica que
afligem os seios e seus problemas com a gravidade, ou a gramática psicótica que
cerca o drama da celulite.
Todo
homem um dia depara com esse pequeno caos. As entradas, que são o preâmbulo do
suplício, só perdem em desespero para o aparecimento da tonsura, o pesadelo
cristalizado. É a fase em que os homens entram na dança dos malabarismos
capilares, penteados esdrúxulos que passam de cá para lá, de baixo para cima,
na tentativa vã de esconder o impossível. Recorremos a tudo, desde o corte
melancólico, que é o careca com rabinho, até o desespero alucinado: a peruca.
Todas variações de uma enganação patética que não engana ninguém.
A
verdade é que o complexo de Sansão nos pega a todos. Nossos cabelos são
identificados à potência da juventude, sua queda é prenúncio do outono da vida.
Despedir-se deles é duríssimo. Tenho que concordar com meu amigo: a maneira
como envelhecemos diz muito de nós.
Fabrício
Carpinejar está em férias e retorna no dia 27 de abril