segunda-feira, 14 de abril de 2014


14 de abril de 2014 | N° 17763
ARTIGOS - Paulo Brossard*

Adeus, CPI

Outro dia, falava eu em uma espécie de esquecimento que vem se notando entre nós, no tocante aos nossos usos e instituições e não imaginava estivesse a mim reservado assistir ao fenômeno em sua nudez. O que vem de ocorrer quanto às comissões parlamentares de inquérito é um duro e penoso exemplo disso.

A partir da Constituição de 1946, a criação e funcionamento da CPI se tornou vulgar e ninguém morreu por isso. Pois, agora, o país viu as forças do governo, com a pública e explícita solidariedade do presidente Luiz Inácio, esmagarem a CPI destinada a apurar fato certo e determinado, de notória gravidade, relacionado com a escabrosa circunstância de estar envolvida a senhora presidente da República: nada menos do que o malcheiroso escândalo da refinaria de Pasadena.

A inegável gravidade da ocorrência chega a ser ululante. A partir daqui, uma casa do Congresso ou o chefe do Poder Executivo ou alguém por ele, às escâncaras, poderão fazer abortar qualquer CPI, ainda quando justificada e conveniente, senão necessária. E, dessa forma, os nossos usos e costumes estarão recuando. Saliente-se, nada feito às ocultas, mas à luz do sol, ao meio-dia. Em verdade, adeus às CPIs.

Não ignoro que o nosso texto constitucional facilita o abuso, o que não explica nem justifica a desfaçatez com que a novidade foi projetada e consumada. Assim começaram as deformações que levaram à ruína a República Velha e depois dela também a Nova. Aliás, é de ser lembrado o que, em 1917, afirmou o senador Rui Barbosa, em conferência sobre Oswaldo Cruz: “A tribuna parlamentar é, hoje em dia, uma cratera extinta” e sua presença no Senado era a de um “corpo estranho”, um “ hóspede impertinente”.

Nos quase 40 anos da denominada República Velha, o voto falso, a falsidade no processo eleitoral, na apuração e na diplomação, foram cadaverizando o país. E os donos do poder de então não perceberam que as instituições se haviam convertido em carniça. O que me parece mais perigoso é que a cúpula dos dirigentes do país nem mesmo sentia o mau cheiro exalado.

Faz poucos dias, não um dos 39 ministros de Estado, mas o ministro da Fazenda afirmara pelos meios de comunicação, e por duas vezes voltou ao assunto, ser necessário promover a restauração da credibilidade do país. Restaura-se o que existiu e foi perdido. Pois bem, nenhum frisson se notou; alguém diria que a palavra do ministro não tem ressonância, então a emenda não é melhor do que o soneto.

Se a palavra do ministro da Fazenda em assunto dessa delicadeza, que diz respeito ao decoro da nação, não repercute, seria o caso de dizer, se começa a compreender por que os maiorais da República se sentem à vontade para abafar uma CPI sobre tema relevante e nada acontece...

Ao encerrar este artigo, para mim amargo, ouço que o presidente Luiz Inácio insistira em proclamar, de maneira categórica, que a CPI não pode ser criada. Por que será? Por que os dados a serem revelados seriam inconfessáveis e chocantes?


*JURISTA, MINISTRO APOSENTADO DO STF