terça-feira, 15 de abril de 2014


15 de abril de 2014 | N° 17764
DAVID COIMBRA

O herói errante

Dos antigos heróis da TV, o que mais me fascinava era o herói errante. Ele vagava de cidade em cidade, e em cada cidade vivia uma aventura, conquistava um amor e resolvia problemas até então insolúveis. Ele possuía parcos pertences, só o que cabia numa velha mochila que levava às costas, e nenhuma ambição, além de promover a Justiça.

Era sempre um homem ensimesmado, que jamais se gabava das suas qualidades excepcionais, que atraía as belas mulheres e repelia os maus homens sem fazer esforço algum, que impressionava logo à chegada, que despertava lealdades onde antes só havia desconfiança, que deixava a marca do Bem com B maiúsculo pelo caminho em que pisasse.

Sim, sim, este era o homem. Queria ser um herói errante. A mulher mais linda da cidadezinha sempre se apaixonava por ele, e ele... Bem, ele também cevava um sentimento importante por ela, claro que sim, ela era uma mulher especial, mas, depois de cumprida sua dura tarefa, ele precisava ir embora. Algo o impelia para longe, algo fazia com que ele renunciasse à felicidade do amor eterno, a todo o afeto que o cercava, mas que, como todo afeto, o escravizava.

Não, garota, não! Não me venha com esses seus lábios polpudos e sequiosos de meus beijos, não me venha com suas pernas longas e macias prontas para me envolver, com seu olhar de fogo, com seu peito arfante, com seus ombros luzidios, com suas mãos de carícias, não adianta, garota, existe um muro invisível a nos apartar, talvez uma maldição que me impeça, talvez uma missão que me espere, talvez um passado de dor ou um futuro de glória, não adianta, garota, não insista, tenho de ir, adeus... adeus...

E lá se ia o herói, triste com mais uma renúncia, esperançoso por mais uma aventura. Sim.

Sim.

No Interior

O centroavante do interior é uma espécie de herói errante. Ele vai para uma cidade, torna-se camisa 9 do time local. Marca gols, ganha títulos, salva o clube da queda, vira ídolo da torcida, causa suspiro nas mulheres e muda-se para outro lugar, outros campeonatos, outras emoções.

Bebeto, o “Canhão da Serra”, era assim. Badico também. Sandro Sotili, outro. E também o velho Dario, “O Peito de Aço”; e Geraldão; e Lima; e tantos mais. Matadores de aluguel, homens que chegam, resolvem e vão embora. Na falta de produtos locais, por que não um deles? O Inter dos últimos 10 anos sabe como eles têm valor, e os contrata às dúzias. Hoje, no time, há dois: Rafael Moura e Wellington Paulista. Do Grêmio eles vão embora: foi-se um André Lima e ninguém veio para seu lugar. Por isso o Inter vence, por isso o Grêmio perde. Falta ao Grêmio quem saiba fazer o que um homem precisa fazer. No caso do futebol, nem é a Justiça. É o gol.

O setorista de Ronaldinho

Uma tarde de segunda-feira, durante a reunião da antiga Editoria de Esportes, nos anos 90, nossa pauta principal era um jogador que estava surgindo no Grêmio: Ronaldinho. Lembro-me de ter dito:

– Esse cara é diferente. Temos que tratá-lo de forma diferente.

E ficou estabelecido que o Diogo Olivier seria uma espécie de setorista de Ronaldinho. Ele registraria tudo o que envolvesse aquele jogador e sua família.

Era fácil ver essa diferença de Ronaldinho. Porque, além de demonstrar rara habilidade, já nas categorias de base ele marcava gols em quase todos os jogos, especialmente nos decisivos.

E é isso, e é tão simples. Um time, para vencer, precisa ter jogadores que saibam fazer gol. Se você não tem um Ronaldinho, que é raro, tem de ter pelo menos um Badico, um herói errante, mas precisa ter no time gente que saiba fazer gol.

O Inter aprendeu isso devido à dureza de enfrentar Jardéis, Paulos Nunes, Limas, Nildos, Andrés e Baltazares nos anos 80 e 90. Hoje, se o Inter perde um Damião, corre para contratar pelo menos um Wellington Paulista.

O Grêmio, não. O Grêmio, o último autêntico goleador do time do Grêmio foi Jonas, que saiu fugido do Olímpico.

No atual time do Grêmio, o jogador que mais marca gols é Barcos, um argentino cheio de força e vontade, mas com pouco requinte na hora em que está diante do goleiro.

A direção do Grêmio, depois do fracasso rotundo no Gre-Nal, deve estar se debatendo e se perguntando: o que fazer? E, realmente, você olha para as falências do Grêmio e as vê aos quilos, do técnico perplexo ao zagueiro frouxo. Há muito o que fazer. Mas, se não for possível fazer tudo, o imprescindível é contratar gente que saiba fazer o principal. Três, quatro, cinco homens que não mandem a bola no quarto andar, quando chutarem da meia-lua. Gente que saiba marcar gol. Um time só ganha se fizer gol.