segunda-feira, 9 de junho de 2025



09 de Junho de 2025
EM FOCO

EM FOCO

Aumento na demanda por atendimentos devido ao avanço de doenças respiratórias levou unidades a operarem com até 300% de lotação. Queda de leitos é um dos problemas, mas fatores como baixa cobertura vacinal também contribuem

O que está por trás da crise na saúde?

Sofia Lungui

Antes da chegada do inverno, o Rio Grande do Sul enfrenta sobrecarga da rede de saúde por conta de doenças respiratórias. Unidades de saúde da Capital chegaram a operar com 300% de lotação nas últimas semanas.

O que leva Porto Alegre e Região Metropolitana a enfrentarem essas dificuldades? Zero Hora ouviu pesquisadores, profissionais da saúde, representantes de entidades médicas e da prefeitura para entender como se chegou até aqui e o que pode ser feito. A Secretaria da Saúde do Estado não quis se manifestar nesta reportagem.

Conforme a professora Daniele Escouto, da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), a quantidade de leitos é um gargalo que vem dificultando o acesso da população aos serviços de assistência. Porto Alegre teve queda de 5,6% no número de leitos de urgência e emergência em estabelecimentos de saúde em seis anos. Entre os leitos de internação, houve leve alta de 0,5%.

- Abrir um leito envolve toda uma estrutura que precisa ser trazida junto: recursos humanos, exames, medicamentos, procedimentos. Isso gera mais custos, e temos um SUS que há muito tempo não tem reajuste nos repasses. Com isso, em vez de crescimento, temos uma estagnação - diz a médica, que atua no Hospital São Lucas da PUCRS.

Rede básica

A pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Claunara Schilling Mendonça destaca a baixa cobertura na atenção primária à saúde e a terceirização do gerenciamento de unidades básicas de saúde.

- Isso faz com que a população não tenha um serviço de referência para os primeiros sinais e sintomas de qualquer problema, da dengue à síndrome gripal. Se um sistema de saúde não está organizado para atender os pacientes de baixo risco, que precisam ser atendidos em unidades básicas, pode até ampliar as emergências, mas elas vão se esgotar - afirma a médica de família e comunidade, que é chefe do Serviço de Atenção Primária à Saúde no Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Daniele cita o exemplo da hemodiálise: pacientes que necessitam do procedimento acabam buscando o serviço em hospitais por serem mais ágeis, uma vez que centros e clínicas de diálise muitas vezes têm fila de espera maior.

- Precisamos de melhorias na rede básica para que a população possa identificar problemas de saúde mais precocemente. Temos que promover a saúde, e não só pensar em tratar doenças quando elas aparecem. Precisamos de medidas para facilitar que esses pacientes com problemas possam ter acesso aos procedimentos e tratamentos mais complexos, evitando quadros mais graves - argumenta. _

Mesmo com medidas, cenário é preocupante

Em maio, a prefeitura de Porto Alegre decretou situação de emergência em saúde pública por conta dos casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG), - depois, o governo estadual fez o mesmo. As medidas buscam acelerar contratações, ampliação de leitos, compras de insumos e reorganização da rede.

A prefeitura também lançou a Operação Inverno, com a abertura de cem leitos extras e a contratação emergencial de profissionais de saúde. Mesmo assim, o cenário para as próximas semanas é preocupante.

- Todas as medidas possíveis vêm sendo tomadas, e são muitas. Mas elas não parecem estar sendo suficientes para acompanhar esse quadro sistêmico - ressalta o assessor técnico da Secretaria Municipal de Saúde, João Marcelo Fonseca.

Conforme ele, problemas de custeio, baixa cobertura vacinal, impactos da enchente de 2024 e o surto de dengue também ajudaram a agravar a situação:

- A gente vem tentando acompanhar a elevação natural de demanda desta época do ano, mas partindo de um patamar já muito alto. Em pediatria, por exemplo, temos baixa demanda no verão, normalmente. Neste ano, já vínhamos com uma demanda aumentada. O sistema já estava sobrecarregado há meses. _

Solução passa por estrutura e vacinação

O quadro de superlotação é generalizado em Porto Alegre. O problema é observado em todas as portas de acesso, não somente emergências, mas também os prontos atendimentos.

De acordo com o presidente do Conselho Regional de Medicina (Cremers), Eduardo Trindade, o cenário era previsível, uma vez que havia tendência de superlotação desde o início do ano.

- Não dá para dizer que somente fatores externos e não esperados, como SRAG e dengue, foram os responsáveis. Tivemos taxas acima de 100% de lotação nas emergências desde fevereiro. Precisamos ampliar a capacidade instalada de leitos e qualificar os profissionais, sobretudo médicos de família e comunidade - destaca.

Trindade defende que as medidas de ampliação da rede deveriam ter sido tomadas com maior antecedência, e não de forma emergencial. Para o Cremers, além de aperfeiçoar a estrutura de atendimento, é necessário investir em recursos humanos e nas campanhas de vacinação.

Para o presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), Marcelo Matias, a falta de recursos contribuiu para desgastar o sistema de saúde, não somente na Capital, mas em toda a Região Metropolitana.

- O programa Assistir (do governo do RS) retirou vultosos recursos da Região Metropolitana, locais que não só concentram volume muito grande de atendimento como também possuem uma centralização dos atendimentos. Houve uma perda grande de recursos. Associada a isso, a enchente produziu um impacto muito grande, principalmente sobre o Hospital de Pronto Socorro de Canoas - afirma. 

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