sexta-feira, 4 de abril de 2014


04 de abril de 2014 | N° 17753
ARTIGOS - Mauro Eduardo Vichnevetsky Aspis*

O caso das médicas

Muito tem sido discutido sobre o caso das duas obstetras de Torres que, diante da resistência de uma gestante em fazer uma cesariana, buscaram amparo na Justiça para proteger a mãe e o nascituro.

Por incrível que pareça, a atitude dessas médicas tem sido mais criticada do que elogiada, haja vista que para muitos foi negado o direito de escolha da mãe/gestante em realizar o parto da forma natural como pretendia.

O Código de Ética Médica é ambíguo neste sentido, pois enquanto alega que é direito do médico “indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas reconhecidamente aceitas e respeitando as normas legais vigentes no país”, em inciso posterior diz que é vedado ao médico “deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo”.

Assim, a questão da liberdade de escolha dessa gestante passa a ser o núcleo de uma discussão ética.

Em que pese à liberdade ser juridicamente assegurada a todos os indivíduos, não pode ela ser aceita de maneira irresponsável. No momento em que a liberdade começa a conflitar-se com a liberdade de outros, começam as suas restrições. A nossa liberdade só existe enquanto ela age em harmonia com o nosso meio social, fora desse contexto, ela pode ser abusiva.

No nosso meio jurídico, a vida, o viver, não é apenas um direito, mas um dever que só pode ser interrompido pelo fatalismo das leis biológicas, como ensina o ilustre jurista Genival Veloso de França.

O que o Estado nos garante não é a liberdade natural de o ser humano poder fazer o que quer, mas, sim, a liberdade jurídica, a qual assegura ao indivíduo o exercício da própria vontade dentro de um limite permitido por lei, ou seja, uma liberdade responsável.

No caso das obstetras que previram o risco de um parto natural e aconselharam a cesariana, elas agiram baseadas na garantia legal do Estado de necessidade de terceiro, no qual sacrifica-se um bem, a liberdade, para salvar outro de maior interesse e significado, que é a vida do feto, da qual não podemos dispor.

Contudo, referidas médicas foram mais diligentes ainda, elas optaram por ter o aval da Justiça para poderem fazer aquilo que lhes parecia correto, e a Justiça lhes concedeu esse direito. Desta maneira, a realização da cesariana (garantida por decisão judicial) foi uma atitude correta diante de todos os riscos que corriam o feto e a gestante, estando as profissionais de parabéns pela postura e preocupação, tão raras hoje em dia, principalmente em hospitais públicos.

O Estatuto do Nascituro que está para entrar em vigor, em seu artigo 12, reza que “é vedado ao Estado e aos particulares causar qualquer dano ao nascituro em razão de um ato delituoso cometido por algum de seus genitores”, como também, em seu artigo 4º, diz que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar ao nascituro, com absoluta prioridade, a expectativa do direito à vida, à saúde, à alimentação, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar, além de colocá-lo a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Desta forma, a conduta das médicas, bem como da juíza que deferiu o pedido liminar de realização do parto através de cesariana, está protegida pela ética médica, pela moral, pela legislação pátria, haja vista que o direito à vida é indisponível e que, na ameaça de um risco, esta deve ser sempre a nossa prioridade.


*ADVOGADO E CONSULTOR, ESPECIALISTA EM DIREITO MÉDICO