04
de abril de 2014 | N° 17753
DAVID
COIMBRA
Eu tenho
direito
Li
que a presidente Dilma quer rigor de pedra nas punições de crimes cometidos
contra a mulher. Isso motivado por aquela pesquisa que fez o país estremecer de
santa indignação: a maioria dos brasileiros (e das brasileiras) acha que a
mulher merece sofrer abuso sexual se estiver usando roupas provocantes.
Dilma
está certa no específico. Só no específico. Porque essa forma dos brasileiros
de ver a mulher não é a forma dos brasileiros de ver a mulher; é a forma dos
brasileiros de ver a vida.
O
brasileiro acredita que tem direito de bolinar uma mulher de minissaia porque ele
tem uma consciência altamente desenvolvida e maleável a respeito dos seus
direitos. Ele foi treinado para isso. “Lute por seus direitos”, dizem para o
brasileiro todos os dias. Ensinaram ao brasileiro que, lutando por seus
direitos, ele se tornará um cidadão. Então, o brasileiro é um tigre para
defender os SEUS direitos, mas em nenhum momento passa-lhe pela cabeça de que
existe uma remota, uma ínfima possibilidade de que ele também tenha deveres.
O
grevista tem direito a fazer piquete, o ciclista tem direito a mais espaço no
trânsito, o empresário tem direito a uma política fiscal justa, o desempregado
tem direito a uma vida melhor. Todos eles têm razão. Tendo razão, eles estendem
seus direitos até esbarrar nos direitos dos outros. O piqueteiro espanca o
fura-greve, o ciclista fecha a avenida, o empresário sonega imposto, o
desempregado assalta e vende droga.
Que
diferença existe entre todos esses, e muitos mais, para o homem que tem direito
a uma vida sexual ativa e estende seu direito para atacar uma mulher que ele
deseja, mas não possui?
O
brasileiro é o povo do direito estendido e do dever nenhum.
Eu
quero uma vida melhor, eu quero um salário maior, eu quero pagar menos
impostos, eu quero andar de bicicleta, eu quero aquela mulher. Querer é poder. Lute
pelo seu sonho. Lute por seus direitos. Seja feliz!
Os
pais dos brasileirinhos repetem sempre: “Eu quero que meu filho seja feliz. O
importante é que ele seja feliz”. Kant não concordaria. Kant dizia que o
importante não é ser feliz, é merecer a felicidade. Na falta de um Kant
tropical, como o brasileiro vai compreender que a extensão dos seus direitos
até o rompimento com seus deveres é, em si, um mal? Dilma deu a resposta: com
punição. Não punição severa, não punição inclemente, não punição vingativa, nem
mesmo punição intolerante: punição justa.
Se
você está na Inglaterra ou nos Estados Unidos e disser algo ofensivo a uma
mulher de minissaia, ela chamará um policial e o policial poderá até prendê-lo.
Se você resistir, o policial o derrubará no chão, pisará em seu pescoço, o
algemará com as mãos às costas e o levará preso. Na cadeia, você será tratado
talvez com dureza e certamente de acordo com a lei.
Aqui,
o policial iria para o YouTube. “Fuck polícia”, alguém picharia na parede da
delegacia. Aqui, um black bloc cospe no policial. Mas, aqui, se o policial
levar black bloc infrator para a cadeia, pode acontecer com ele o que aconteceu
com Amarildo. Ele pode ser seviciado, ser espancado e nem voltar para casa.
A
lei. O Estado tem que fazer cumprir a lei. E tem que agir estritamente dentro
da lei. Um Estado atento, vigilante, mas justo. Um Estado que protege os
direitos e faz cumprir os deveres. Simples de entender. Mas, como se vê,
complicado de fazer.