05
de abril de 2014 | N° 17754
EDITORIAIS
ZH
UM ERRO
DEVASTADOR
É
arrasadora a notícia de que falhas graves comprometeram uma pesquisa séria
realizada por um órgão do governo. Constrange saber que o Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada, que realizou o estudo denunciador do machismo e de outros
preconceitos, tenha embaralhado números decisivos para a compreensão do
fenômeno. Informava a amostragem que 65% das pessoas consultadas concordavam
que mulheres com roupas consideradas provocativas mereciam ser atacadas.
Na
verdade, pela correção feita ontem, esse índice é de 26% um percentual ainda
preocupante e inaceitável. Números tão distantes num tema tão delicado
comprovam um descuido imperdoável, com efeitos devastadores.
A
primeira vítima da incorreção é a própria pesquisa, que provocou reações
internas e em outros países, ao denunciar, num número inflado, um brasileiro
quase caricatural, em que mais da metade dos entrevistados se mostrava
absolutamente insensível aos avanços mais elementares da civilização. Sabe-se –
mesmo que não se concorde e não se admita – que parcela importante da população
ainda vê a mulher como submissa às vontades dos homens, por mais primitivo que
isso seja.
Mas
só agora, diante da admissão do erro pelo Ipea, é que se vê quanto o percentual
continha um exagero. Para quem busca consolos, este é o que pode existir nesse
caso: explicitaram-se posições críticas estimuladas pela pesquisa. O brasileiro
aprendeu muito com as manifestações, em especial as das redes sociais, em favor
de avanços no respeito às mulheres.
A
segunda vítima é o próprio Ipea, que construiu com muito esforço a reputação
como uma das instituições habilitadas a interpretar aspectos complexos da nossa
realidade, e não só na área econômica. Cabe ao Ipea, desde o final dos anos 60, a realização de estudos de
conjuntura e de questões estruturais, como foi o caso da pesquisa com o erro,
também com foco em temas sociais.
Fica
abalada a imagem do organismo e de seus profissionais, que naturalmente
passarão a ser vistos com desconfiança a partir de agora. Também foi atingida a
própria imagem do Brasil, que tem propagado pelo mundo a qualificação de suas instituições
de pesquisa e de seus quadros.
Falhas
semelhantes, provocadas pela manipulação errática de números, já ocorreram nas
mais variadas áreas e, infelizmente, continuarão ocorrendo. Isso não significa
que devam ser aceitas com naturalidade. Ao contrário, o governo, que mantém o
Ipea, precisa localizar e corrigir as deficiências que levaram ao lamentável
equívoco. O próprio instituto já admitiu como ocorreu o erro e pediu desculpas.
O que fica do episódio é que o estudo, revisado, deve ser preservado como
subsídio para o entendimento e a correção de nossos preconceitos.
O
Ipea manteve na pesquisa um dado tão alarmante quanto a questão que provocou
reações em decorrência do erro: 58,5% dos entrevistados concordam com a ideia
de que, se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros.
Aqui, quem continua errando é, vergonhosamente, mais da metade da sociedade.