11
de abril de 2014 | N° 17760
DAVID
COIMBRA
Viva Zapata!
A
presidente Dilma indicou Gim Argello para ser ministro do Tribunal de Contas da
União.
Poderia
encerrar o texto com essa frase. Essa frase significa muito. Mas vá que você
não saiba quem é Gim Argello. Neste caso, farei um breve resumo, que resumos
devem ser breves: Gim Argello é um senador do PTB do Distrito Federal que está
respondendo a um cacho de processos no STF. É suspeito de corrupção ativa,
corrupção passiva, lavagem de dinheiro, peculato, falsidade ideológica,
apropriação indébita, crimes contra o patrimônio público e crime contra a lei
de licitações. Antes de ser eleito, Gim Argello era corretor de imóveis.
Trata-se,
provavelmente, do melhor corretor de imóveis do Brasil de todos os tempos,
porque seu patrimônio, no começo da carreira, não chegava a R$ 100 mil. Hoje,
segundo ele mesmo, está em R$ 1 bilhão.
Foi
esse homem que a presidente Dilma indicou para ser ministro do Tribunal de
Contas da União. O escândalo foi tamanho, que, pressionado pela oposição, o
próprio Gim Argello desistiu do cargo. Mas fica a informação trepidante: a
presidente Dilma indicou Gim Argello para ser ministro do Tribunal de Contas da
União.
Sei
que Dilma á honesta. Desenvolvi essa convicção não apenas por conhecer sua
história, mas baseado no meu julgamento, e tenho que confiar no meu julgamento.
Por que então Dilma indicaria um político sobre o qual pesam tantas e tão
densas denúncias para integrar um órgão que serve exatamente para fiscalizar as
contas do Estado? Seria por aquilo que se chama de “governabilidade”? Por
conveniência política?
Sim.
Foi por isso. Claro que foi.
Eis
algo importante. Porque estou falando de Dilma e do PT. Sei que o PT mudou. O
poder produz mudanças. Há um episódio na História que ilustra essa verdade,
vivido por um dos meus personagens favoritos, Emiliano Zapata. No começo do
século 20, Zapata subiu do sul do México à frente de seus camponeses gritando
“tierra, tierra”, e fazendo a revolução. Encontrou-se com Pancho Villa, que
descia do Norte.
Entraram
na Cidade do México e tomaram o palácio presidencial. Há uma foto deste
momento: Zapata e Villa no gabinete da presidência, cercados por seus homens.
Villa sorridente, Zapata grave, a mão pousada no sombrero, o olhar de sampaku
fitando a câmera sem qualquer luz de ilusão. Zapata passou um tempo na capital,
ocupando a presidência. Quando a política o pressionou, quando ele sentiu que
estava negociando com as dores dos camponeses para se manter no poder, pegou o
sombrero e voltou para o Sul, para sua pequena Morelos. O poder corrompe,
concluiu. E pronunciou sua grande frase:
“Um
povo forte não precisa de um líder forte”.
Zapata
era mais do que um líder forte. Era reto e comportou-se como um homem reto. De
homens e instituições retas você espera retidão. Não espero retidão e coerência
dos partidos sucedâneos da Arena, nem da geleia do PMDB ou do fisiologismo do
PTB. Do PT, sim. O PT se apresentou como um partido reto. Podia não ter um
projeto claro para o país, mas mostrava-se reto. Logo, é do PT que se cobraria
retidão.
Para
chegar ao poder, o PT fez concessões. Não sou contra. Sou a favor da tolerância
e sei que a política é a arte da convivência de opostos, mas para tudo há um
limite. E, se não posso mais esperar limites para o PT como instituição, sei
que posso esperar de alguns petistas dignos. Dilma entre eles. Dilma suportou a
tortura na defesa de seus valores. Por que cederia agora? Alguém pode
argumentar que outros torturados já cederam, mas nesses a ânsia pelo poder era
maior do que a convicção. Dilma, não. Dilma nunca se mostrou tão vaidosa, tão
gananciosa, tão sequiosa de poder. Mas agora comete essa indicação espúria e,
mais do que espúria, terrivelmente simbólica, decerto influenciada por petistas
com a moral mais maleável.
Mas
há outros, há os retos. Destes esperava protestos, e até agora não ouvi
protesto algum. Você pode não gostar de um Olívio Dutra, de um Raul Pont, de um
Flávio Koutzii, de um Ronaldo Zulke, mas sabe que eles são retos. Homens como
esses deveriam ter se erguido, e não esperado pela óbvia reação da oposição.
Eles é que deveriam ter dito a Dilma o que disse Saramago: “Até aqui cheguei”.
Ou: daqui não passo. Basta. É o limite.
Dilma
precisa indicar Gim Argello para governar? Melhor não governar. Melhor apanhar
o sombrero e voltar para o Sul. Um gesto como esse vale por todo um governo.
Que agora, sabedores dos limites porosos deste governo, os homens retos se
levantem. Que, ante a próxima ameaça, gritem: “Chega!”. Com seu exemplo,
fortalecerão o povo, e assim poderão descansar em paz, porque Zapata já
ensinou: um povo forte não precisa de líderes fortes.