13
de abril de 2014 | N° 17762
MARTHA
MEDEIROS
A dor do crescimento
Eu
tentava descrever como era aquela dor, mas não encontrava jeito. Acontecia nas
pernas, nas duas ao mesmo tempo. Não era fadiga muscular, não era um machucado,
nem torção, nada tinha inflamado, eu não havia batido com elas numa mesa, nem
tropeçado, não parecia nem mesmo dor, e sim um incômodo, um alerta interno.
Eu
podia caminhar, até correr, se quisesse. Mas não estava tudo bem, e quando eu
vencia a vergonha de não conseguir explicar exatamente o que sentia e me
queixava daquilo que nem parecia existir de tão aleatório alguém dizia: não
esquenta, é a dor do crescimento.
Um
diagnóstico poético demais para uma criança. Como assim, dor do crescimento? Eu
crescia numa velocidade irritantemente lenta, tão poucos centímetros por ano, não
acreditava que esse ganho ínfimo de estatura, imperceptível, pudesse originar
dor. Dor vem do choque, vem do baque, deixa marca, tem motivo, não poderia
nascer assim de um alongamento que ninguém conseguia enxergar a olho nu.
Reumatismo
também não era, porque reumatismo era doença de avós. Tudo bem que eu já estivesse
com quase 11 anos, mas não era assim tão velha.
“É dor
do crescimento, menina, todo mundo tem, não te bobeia. Já já passa”.
Não
passou. Apenas subiu das pernas para o coração e depois foi ainda mais para
cima, alojando-se no cérebro. Abandonou os membros inferiores e passou a fazer
turismo em duas regiões de mais prestígio. Essa transferência aconteceu logo
que eu parei de alongar verticalmente e virei o que se chama por aí de gente
grande e estabilizada.
Mas
gente grande continua crescendo?
Pois
é. Não me peça para explicar, porque sigo não encontrando um jeito de. Às vezes
dói no peito, às vezes na cabeça, às vezes nos dois lugares ao mesmo tempo, mas
não há nada sangrando, e também não é fadiga, mesmo já se tendo vivido bastante
e cansativamente. Torção... Não, também não. De novo, ninguém esbarrou numa
mesa, nenhuma parte do corpo ficou roxa, não é um arranhão, nem parece dor.
Então
é o quê? Um esgotamento por fazer sempre as mesmas perguntas irrespondíveis,
por se retorcer com questões que aparentam ter soluções simples, mas não têm,
por não aceitar que seja difícil o que deveria ser fácil, por se flagrar tendo
reações contundentes quando a vontade era de chorar baixinho, por tentar
estabelecer uma forma de vida que organize o caos, mesmo sabendo que o caos está
sempre atrás da porta rindo das nossas tentativas de controlá-lo.
Nada fica
roxo, mas turva a visão. Nada deixa cicatriz aparente, mas não fecha. Fica
aberto, latente, insistentemente lembrando a existência daquilo que não se
explica, sobre o qual pouco se conversa, mas que, de alguma forma, também faz a
gente ganhar em estatura.