HÉLIO
SCHWARTSMAN
Empáfia hipocrática
SÃO
PAULO - O caso da grávida obrigada a fazer uma cesariana contra a sua vontade
atesta o fracasso da medicina e da Justiça brasileiras.
Em
primeiro lugar, faltou à médica habilidade para convencer a futura mamãe de que
a situação era grave --se é que era mesmo; obstetrícia não é ciência exata-- e
requeria o procedimento cirúrgico. Como a natureza dotou nossa espécie de
instintos de sobrevivência e materno fortes, o mais provável é que, com a
abordagem adequada, ela tivesse sucesso.
O
que sobrou na doutora foi a empáfia hipocrática. Numa sociedade democrática, médicos
são prestadores de serviço. Cabe a eles propor ao paciente o que lhes pareça a
melhor estratégia terapêutica, sem nunca deixar de apontar os riscos e indicar
possíveis alternativas. A decisão final, porém, compete exclusivamente ao
paciente ou seu responsável legal.
Se o
médico não concordar, pode exigir que o paciente assine termos que o isentem de
responsabilidade e tem ainda o direito de deixar o caso. Mas é só. Mobilizar a
polícia para ir contra a vontade de um paciente que não esteja em surto psicótico
representa a falência da medicina.
Pior
só a intervenção da Justiça. Aqui o Judiciário, no afã de fazer o bem,
atropelou sua própria razão de ser, que é assegurar um núcleo de garantias fundamentais,
entre as quais está a recusa a procedimentos médicos. Fazer o bem e salvar
vidas é muito fácil. Com apenas quatro medidas (proibição do fumo e do álcool,
obrigatoriedade de exercícios físicos e velocidade máxima de 40 km/h ) acrescentaríamos alguns anos
à expectativa de vida do brasileiro. Só que criaríamos uma ditadura.
A
bioética é uma disciplina triste, já que muitos de seus desfechos são funestos,
mas ela é relativamente simples no sentido que grande parte dos problemas podem
ser resolvidos apenas deixando que o paciente exerça sua autonomia, que,
obviamente, inclui o direito de tomar decisões que pareçam erradas a todos.
helio@uol.com.br