16
de outubro de 2014 | N° 17954
MÁRIO
CORSO
Tema atrasado
Só havia
uma coisa pior do que ouvir o som do Fantástico anunciando que o fim de semana
acabou, era lembrar que eu não tinha feito o tema de casa. Minha procrastinação
com temas era crônica, mas com as redações eu levava essa autotortura ao máximo.
No meu tempo de ginásio era costume, os professores de português pediam a
maldita redação semanal. Eu a escrevia mergulhado na angústia do ocaso
dominical, com um olho na TV e a orelha no futebol do rádio.
O
resto da lição de casa era difícil, mas ao menos era objetivo: faça isso,
responda àquilo, calcule a circunferência da tangente da hipotenusa e dos seus
dois filhos, os catetos. Mas redações tornavam o pior momento da semana em um
inferno ainda mais quente: era necessário criar do nada. A letra crescia para ocupar
as 30 linhas requeridas. Lançava mão de parágrafos a cada momento, sabendo bem
paragrafar dava para comer até duas linhas. Eu tinha inúmeras artimanhas. Já não
sabia se estudava português ou matemática de tanto contabilizar espaço. Sabia
de cor uma espécie de tabuada do 30: fiz 12 faltam 18.
Quando
larguei da fórmula começo, meio e fim e das 30 linhas regulares, aconteceu o
momento mágico em que a tarefa virou. Comecei a gostar de escrever. A escrita não
nasceu comigo, estas linhas que você está lendo existem graças à perseverança
escolar e à insistência e às correções dos meus professores.
Cada
época tem a sua ideologia, um sistema de crenças de que não nos damos conta. É invisível
como o ar que respiramos, e a vivemos como se fosse a essência da natureza
humana. Uma das atuais é o “eu me fiz por mim mesmo”. Ideia que esconde o
quanto somos produto de uma história feita da dedicação de nossos pais,
parentes, do acaso feliz de bons amigos e colegas. Somos o que somos graças aos
outros.
Claro,
em certo momento tomamos nas mãos o que fizeram de nós e fundamos uma trajetória.
Mesmo assim, seguimos com apoio, empurrões e elogios, mas tendemos a esquecer o
que recebemos e adoramos dizer que desde cedo pegamos no facão e fizemos
sozinhos o nosso caminho na selva. Minimizamos o que ganhamos e superestimamos
nossos feitos. Não há maldade nisso, ninguém está mentindo, é assim que hoje
nos concebemos. Isso é um subproduto do viés individualista que dá o tom do
mundo atual. Lembramos dos outros só quando damos errado, então somos infelizes
vítimas de cuidadores opressivos ou relapsos.
Eu
tive a felicidade de ter bons mestres e hoje escrevo para agradecer a eles
atrasado. O Dia dos Professores era ontem, mas entreguei tantos temas depois do
prazo e eles aceitaram. Vão me perdoar o parabéns com um atrasozinho de nada. Prometo
da próxima vez entregar na data. Prometo mesmo. Juro!