23
de outubro de 2014 | N° 17961
CARLOS
GERBASE
A ÉTICA DOS
CRIMINOSOS
Entrevistado
pela Folha de S. Paulo no último dia 7, o ministro do STJ Gilson Langaro Dipp,
que criou varas especiais para o julgamento de crimes financeiros e tem se
destacado na luta contra a corrupção, inclusive no próprio judiciário, fez uma
pergunta aparentemente retórica: “Existe ética em organizações criminosas?”.
Dipp defende a delação premiada, que acaba de favorecer o ex-diretor da
Petrobras Paulo Roberto Costa, e critica advogados de defesa que se afastam de
delatores.
Eu
tenho uma resposta: é claro que as organizações criminosas, por mais terríveis
e condenáveis que sejam, têm a sua ética. O roteiro da série A Família Soprano,
sobre a máfia de New Jersey, é pródigo em cenas que mostram essa ética em ação.
Vários componentes da famiglia são presos, e o que se espera deles é que
aguentem firme na cadeia, sem delatar ninguém. Quase todos aguentam. Quando
saem, são recebidos com beijos e abraços. E a vida (de crimes) continua.
Já
os que caem na tentação de aliviar a pena colaborando com a polícia ou com a
Justiça, se descobertos, são sumariamente executados. Isso é ética particular e
ilegal, mas continua sendo ética. O interessante é que ela não é tão particular
assim. Advogados que abandonam dedos-duros, na ficção e na vida real, não
querem ter clientes inconfiáveis. Ex-amigos e ex-parceiros de alcaguetes os
consideram covardes e egoístas por pensarem em si mesmos, antes de pensarem no
grupo de que faziam parte. Johnny Sack, que não é da famiglia de Tony Soprano,
quando preso não delata Tony e diz para seu advogado: “Pedir para ser um rato,
de onde eu venho, é como pedir a alguém como você, que vem de onde vem, ser um
nazista”.
Talvez
o ministro Dipp considere desprezível toda a norma ética que se afasta de uma
lei escrita, mas, filosoficamente falando, as leis derivam da ética, e não o
contrário. A ética surge nas relações humanas, no dinâmico embate de nossos
instintos contra nossa cultura. Como demonstrou Nietzsche, ela é histórica,
geográfica, mutante, escorregadia e sempre sujeita à crítica. Um ministro do
STJ que não compreende a ética dos criminosos – mesmo que a ache desprezível –
não está preparado para enfrentá-los.