31 de outubro de 2014 |
N° 17969
DAVID COIMBRA
Getúlio, o pior. Itamar, o
melhor
Itamar Franco foi o melhor
presidente da história do Brasil.
Getúlio Vargas foi o pior
presidente da história do Brasil.
O governo de Itamar durou dois
anos e três meses, foi sempre democrático e não apresentou mácula de corrupção.
Nesse curto período, sua administração domou uma inflação que beirava os mil
por cento ao ano, o que até então parecia impossível, e cimentou o caminho para
a estabilidade econômica do país. Todas as obras dos presidentes que se
seguiram só puderam ser realizadas porque a inflação foi controlada.
Getúlio mandou no Brasil por 19
anos, 15 desses como ditador. Só isso, só o fato de ter sido ditador, seria o
suficiente para inscrevê-lo no rol dos canalhas da História. Toda ditadura é,
por conceito e por princípio, um mal; assim como a democracia, por conceito e
por princípio, é um bem. Getúlio interrompeu um legítimo processo democrático
para se encastelar no poder. Suas realizações, como as leis trabalhistas e o
voto feminino, eram demandas da sociedade, avanços internacionais que seriam
alcançados mais cedo ou mais tarde. Não se precisava de ditadura para obtê-los.
Não se precisa de ditadura para obter coisa alguma.
Com a ditadura, Getúlio extinguiu
a federação de fato, centralizando o poder e diminuindo a autonomia dos
Estados, ação consagrada na famosa cerimônia da queima das bandeiras. Também
instaurou a lógica paternalista do defensor dos pobres no Brasil e, depois,
quando finalmente se elegeu com legitimidade, criou à sua volta uma estrutura
de apoio composta, sobretudo, pelo peleguismo sindical. Estavam formados os
dois grupos que iam se enfrentar pelas décadas seguintes: os populistas
paternalistas e os conservadores.
Os populistas paternalistas têm a
seu favor o charme da esquerda e a presuntiva boa intenção de ajudar os pobres.
Na verdade, só o que eles querem é o poder. Os conservadores têm a seu favor
uma aura de modernidade capitalista. Na verdade, só o que eles querem é o
poder. Donde, golpes e contragolpes que não levam a lugar algum.
O golpe de 64 foi a derradeira vitória
dos conservadores. Brizola até ressurgiu como herdeiro do populismo, mas o PT
soube ocupar o seu lugar, ridicularizando-o como um político obsoleto e algo
folclórico. Lembro-me dos discursos dos intelectuais petistas nos anos 80,
criticando o populismo como causa do atraso do país. Era bonito. E era
alvissareiro. O PT anunciava-se diferente desses dois grupos, mas, para chegar
ao poder, teve de ceder, exatamente, ao populismo paternalista que criticava em
Brizola.
O PT apoiou-se em sindicatos, em
organizações da sociedade civil e, finalmente, em quaisquer aliados políticos
que lhe dessem sustentação parlamentar, inclusive os velhos ícones da ditadura,
como Maluf. Agora, o PT arroga-se como defensor dos pobres, tanto quanto
Getúlio. O PT é filho caçula de Getúlio. Filho caçula da ditadura getulista,
que, como toda ditadura, entortou a nação.
Mas o paternalismo do PT não é
errado quando investe no Bolsa Família. O Bolsa Família é um bom programa
corretivo de desigualdades. É errado quando o governo se apresenta como
paladino do povo oprimido. Numa nação madura, os pobres não precisam de ninguém
que os defenda.
Não precisam de pais ou heróis.
Os pobres, os ricos e os remediados não têm de depender de governo algum. Têm
de contar com um Estado que tenha sistemas de proteção aos mais fracos e de
garantia de oportunidades iguais a todos. Os governos são apenas
administradores desse sistema.
Um grupo governante que estivesse
realmente disposto a fazer o Brasil amadurecer teria de começar
descentralizando a arrecadação e refundando a federação. Você sabe quantos
programas de ajuda aos municípios são mantidos pelo governo federal? Mais de
200. Contei 229. Programas para fazer tudo, de esgoto a feiras do peixe.
Então, funciona assim: o imposto
é arrecadado na cidade, vai para Brasília e volta muito tempo depois através de
um desses programas. Nesse longo caminho, o dinheiro, o seu dinheiro, vai sendo
desbastado pela burocracia e pela corrupção. Por que os recursos não ficam no
município? Por que têm de passar pelas mãos do Grande Pai provedor? Se ficassem
no município, a comunidade se encarregaria de fiscalizar a forma como são
aplicados. Seria um verdadeiro incentivo à participação popular na vida
pública, não esses mal-intencionados conselhos de sabotagem da democracia
representativa.
Bastaria isso para que a
corrupção fosse atorada pela metade, no mínimo. Mas, para que isso fosse feito,
o grupo governante teria de renunciar a parte do poder. E quem neste país é
capaz de renunciar a qualquer pedaço de poder? De jeito nenhum. Melhor deixar o
país sob tutela eterna. Melhor apresentar-se como o benevolente protetor do
pobre indefeso.