quarta-feira, 29 de outubro de 2014


29 de outubro de 2014 | N° 17967
PEDRO GONZAGA

DESDE A TORRE

É de Quevedo uma das imagens poéticas que seguidamente me retorna, em especial naqueles momentos em que a agressividade do mundo parece impor um recuo do campo aberto, quando o cerco se fecha, feito um exército inimigo. Resguardado em sua torre, o grande poeta do Século de Ouro espanhol se fazia acompanhar apenas de seus livros. Nesse retiro, ele permanecia “em diálogo com os defuntos”, a escutar com os olhos aos mortos.

Me agrada a imagem dessa silenciosa comunicação, este “ao sonho da vida falar acordados”. Há prazer maior para um leitor do que estar numa poltrona envolto por sua tácita corte? Ali os ministros ingleses, mais acima os conselheiros alemães, os enviados americanos, os vizires orientais, os poetas brasileiros. “Pedro, você aí lendo enquanto Roma arde”, dizia um professor que me acusava de alienação. Do alto de sua torre.

Montaigne quase morreu à altura dos 37 anos quando um de seus homens trombou em seu cavalo, lançando-o ao chão. A experiência o levou à conclusão de que já fizera sua parte como homem público, dali seguindo para um isolamento, fundamental para a escritura de seus Ensaios. Nas vigas de madeira do teto da pequena peça onde trabalhava, anotava suas frases preferidas, extraídas de suas longas e quevedianas conversas com os finados.

Coberto apenas por um teto branco, eu me agarro a meus postites, tentando escutar os sussurros dos livros enquanto soam os veículos ao fim da tarde. Julgo ouvir Drummond. Apuro o ouvido. Sim, o Dia D chegando, 31 de outubro, seu nascimento, nossa lírica Normandia. Outro homem da torre, de poucas, raras entrevistas.

Na última que concedeu, a Geneton Moraes Neto, disse não ser um poeta popular, de versos populares. Sossegue, Carlos, ao menos aqui na torre número 404, seus versos ecoam quase diariamente entre os milhares de menestréis. E como um médium que psicografa uma nova mensagem, encho de rabiscos o papelzinho amarelo e pegajoso e o colo na parede:


“Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?/ Teus ombros suportam o mundo/ e ele não pesa mais que a mão de uma criança”.