18
de outubro de 2014 | N° 17956
CLÁUDIA
LAITANO
24/7
O
comércio online tornou corriqueiros os serviços “24/7” (24 horas por dia, sete
dias por semana). No Brasil, inventaram o tal “banco 30 horas” (24 horas por
dia em casa, seis na agência).
Além
da aritmética maluca – do tipo que se vê muito em tempos de eleição –, o slogan
sempre me soou como uma espécie de profecia maldita, uma aterradora distopia
bancária em que os dias teriam seis horas a mais, mas em vez de passear,
namorar ou ficar de papo com os amigos, usaríamos todo esse tempo extra apenas
para conferir extratos, pagar contas e ler eletrizantes brochuras sobre seguros
de vida e títulos de capitalização.
Talvez
as relações humanas estejam passando pelo seu momento “banco 30 horas”. É certo
que os humanos foram programados para conviver uns com os outros – mas não 30
horas por dia, nem com tantas pessoas ao mesmo tempo. Amizades e relações
casuais estão sofrendo um processo de sobrecarga extrema nesse convívio 24/7.
Na intensa convivência das redes sociais, é como se reproduzíssemos, com
pessoas que mal conhecemos, um nível de intimidade e troca de informações
diárias antes reservado apenas à família, aos amigos muito próximos e aos
amantes.
Moramos
todos na mesma rua, e todas as janelas estão sempre abertas umas para as
outras. Nos casos em que a afinidade não é eletiva, como nas relações
familiares, já não podemos evitar alguns temas delicados. Eles estão todos lá,
sobre a mesa, expondo diferenças muitas vezes irreconciliáveis que bem poderiam
ficar em repouso pelo menos entre um Natal e outro.
Somos
todos, sem exceção, cheios de manias e hábitos esquisitos. Nossas opiniões nem
sempre são tão embasadas em fatos inquestionáveis quanto gostaríamos de
acreditar e somos muito mais preconceituosos e egoístas do que estamos
dispostos a admitir publicamente.
Na
vida cotidiana, com amigos e familiares de carne e osso, o que torna a intimidade
suportável é o afeto. Vindas de quem a gente gosta, até as pequenas bobagens do
cotidiano têm lá seu interesse – e o resto é ruído. Ainda assim, não deveríamos
exigir de nenhum tipo de relacionamento, nem mesmo os mais íntimos e
duradouros, um atendimento modelo banco 30 horas, sem intervalos ou pausa para
refresco.
Talvez
a intimidade entre pessoas que mal se conhecem, assim como a convivência
virtual excessiva entre pessoas que realmente se gostam, não sejam mesmo
naturais – ou talvez isso exija de nós algum tipo de evolução adaptativa. Por
enquanto, essa conexão permanente parece ser uma das muitas causas das
explosões de raiva e intolerância que se veem nas redes sociais todos os dias,
especialmente em uma época de ânimos exaltados como o período de eleições.
Nesse
ambiente em que uma palavra mais dura não é amenizada por um toque ou um olhar,
as primeiras vítimas são as relações mais frágeis e descartáveis – o que, de
certa forma, diminui o ruído em volta. O risco é perdermos, por excesso de exposição,
aqueles amigos que poderíamos manter por toda a vida – desde que não tivéssemos
que vê-los e ouvi-los 24 horas por dia, sete dias por semana.