segunda-feira, 27 de outubro de 2014

ELIO GASPARI

Um mandato inédito

Em 2002, na versão 1.0, Romanée-Conti; em 2014, na 2.0, a suíte do Copa, com direito a mordomo

Os eleitores deram ao PT um mandato inédito na história nacional. Um mesmo partido ficará no poder nacional por 16 anos sucessivos. A doutora Dilma reelegeu-se num cenário de dificuldades econômicas e políticas igualmente inéditas. Lula recebeu de Fernando Henrique Cardoso um país onde se restabelecera o valor da moeda. Ela recebe dela mesma uma economia travada. Tendo percebido o tamanho da encrenca, em setembro anunciou a substituição do ministro Guido Mantega. Por quem, não disse. Para quê, muito menos.

A dificuldade política será maior. As petrorroubalheiras devolveram o PT ao pesadelo do mensalão. Em 2005 o comissariado blindou-se e desde então fabrica teorias mistificadoras, como a do caixa dois, ou propostas diversionistas como a da necessidade de uma reforma política. Pode-se precisar de todas as reformas do mundo, mas o que resolve mesmo é a remessa dos ladrões para a cadeia. O Supremo Tribunal Federal deu esse passo, formando a bancada da Papuda. Foi a presença de Marcos Valério na prisão que levou o "amigo Paulinho" a preferir a colaboração à omertà mafiosa.

Dilma teve uma atitude dissonante em relação às condenações do mensalão. Protegeu-se sob o manto do respeito constitucional às decisões do Judiciário. No debate da TV Globo, quando Aécio Neves perguntou-lhe se achou "adequada" e pena imposta ao comissário José Dirceu, tergiversou. Poderia ter seguido na mesma linha: a decisão da Justiça não deve ser discutida. Emitiu um péssimo sinal para quem sabe que as petrorroubalheiras tomarão conta da agenda política por muito tempo.

Será muito difícil, e sobretudo arriscado, tentar jogar o que vem por aí para baixo do tapete. Ou a doutora parte para a faxina, cortando na carne, ou seu governo vai se transformar num amestrador de pulgas, de crise em crise, de vazamento em vazamento, até desembocar nas inevitáveis condenações.

O comissariado acreditou na mágica e tolerou o contubérnio do PT com o PP paranaense do deputado José Janene. A proteção dada aos mensaleiros amparou o doutor e ele patrocinou a indicação do "amigo Paulinho" para uma diretoria da Petrobras. Ligando-se ao operador Alberto Youssef, herdeiro dos contatos de Janene depois que ele morreu, juntaram-se aos petropetistas e a grandes empresas. O resultado está aí.

Em 2002, depois do debate da TV Globo, Lula foi para um restaurante do Rio e comemorou seu desempenho tomando de uma garrafa de vinho Romanée-Conti que custava R$ 9.600. A conta ficou para Duda Mendonça, o marqueteiro da ocasião. Quem achou a cena esquisita pareceu um elitista que não queria dar a um ex-metalúrgico emergente o direito de tomar vinho caro. Duda confessou que fazia suas mágicas com o ervanário do mensalão.

Passaram-se doze anos e os repórteres Cleo Guimarães e Marco Grillo mostraram que, na semana passada, Lula esteve em São Gonçalo, onde disse que "a elite brasileira não queria que pobre estudasse". Seguiu da Baixada Fluminense para a avenida Atlântica e hospedou-se no Copacabana Palace, subindo para a suíte 601, de 300 metros quadrados, com direito a mordomo. Outros sete apartamentos estavam reservados para sua comitiva.