28
de outubro de 2014 | N° 17966
MOISÉS
MENDES
O gringo
Mantega
Pretendia
escrever sobre os ataques aos nordestinos. Eles escaparam dos holandeses, ainda
tentam escapar dos coronéis, da seca e dos racistas em geral. Agora, têm que se
livrar dos reacionários do Sul. Que sina.
As
avós dos agressores deveriam chamá-los para uma conversa. Para falar dos
ancestrais, das dificuldades que passaram, por que vieram parar aqui
(geralmente porque não tinham nem onde morrer) e por que nenhum de seus
descendentes deveria discriminar ninguém.
Não
seria uma lição de História, mas uma singela aula de dignidade. Mas aí também
não se sabe se seria ouvida ou entendida. Como disse seu Mércio, o guardinha
aqui da Zona Sul: nessa eleição, eu vi nas redes sociais muita briga por pedaço
de pau como se fosse osso.
Não
vou escrever sobre a retomada do massacre contra os nordestinos, porque estaria
jogando mais osso no pátio das redes sociais. Vou escrever sobre Guido Mantega,
o imigrante italiano que contribuiu para a redução das desigualdades no Brasil.
A
família de Mantega veio de navio para cá em 1951. Ele tinha três anos e meio. O
pai, Giuseppe, fazia móveis em Gênova. Queria prosperar em São Paulo e
prosperou. O filho deveria cuidar da fábrica depois de formado em Economia, mas
decidiu estudar mais e ser militante político.
Mantega
foi o formulador dos primeiros programas do PT. Esteve ao lado de Lula em todas
as derrotas e finalmente virou ministro em 2006, mas só porque Palocci caiu.
Hoje, você olha para o ministro e pensa: ele e Patrícia Poeta estão com os dias
contados.
Mantega
deixará a Fazenda no segundo governo Dilma. Mas Mantega continua lá (assim como
já avisaram que Patrícia não será mais a parceira de Bonner no JN, e a moça
está ali, bela, altiva, cumprindo sua missão até o fim).
A
revista britânica The Economist, bíblia do liberalismo econômico, pediu há dois
anos a cabeça de Mantega. Algozes e vozes do mercado pedem a cabeça dele todos
os dias, e com agressividade.
Mantega
deu lógica ao projeto lulista de fazer crescer renda, emprego e consumo pela
criação de um vigoroso mercado interno. Os pobres brasileiros passaram a
comprar carro e a viajar de avião.
Mas
a economia parou de crescer. Os incomodados com os pobres que invadem
aeroportos e shoppings (e agora ainda podem virar doutores) tiveram então o
pretexto da estagnação.
Mantega
vai cair, depois de oito anos. Sua cabeça pode acalmar o mercado. Quando já
sabia que seria demitido, no meio do tiroteio da eleição, o ministro teve o
desprendimento de aceitar um debate ao vivo na Globo News com o candidato a
ministro da Fazenda tucano Armínio Fraga.
Como
um debate como aquele poderia ser bom para ele e para o governo? Pois Mantega
foi debater com Armínio, apenas pretendente ao posto que não seria mais dele. E
uma semana antes da eleição, em defesa da moeda, avisou ao mercado que todos os
que conspirassem contra o real se dariam mal.
Nunca
vi, nunca entrevistei, nunca passei perto de um lugar em que estivesse Guido
Mantega. Mas me convenci de que desempenhou sua missão como ministro com
integridade.
Dizem
que pode ser embaixador na Itália, para onde voltaria 50 anos depois da viagem
de navio para o Brasil. Pela trajetória, porque é odiado pelo mercado e por
tudo o que fez para contrariar os interesses de quem se esbaldava com os juros
altos, às custas de todos nós, certamente não irá para o setor financeiro –
como acontecia nos velhos tempos.
Que
seja um grande embaixador. O gringo Guido Mantega me representa.