20
de outubro de 2014 | N° 17958
J.A.
PINHEIRO MACHADO
Ler, escrever à mão e comer sem
pressa
Não
faltam alertas contra a devastação das florestas, a poluição, os automóveis em
excesso paralisando o trânsito, entre tantas desventuras. Acrescento pelo menos
três outros valores permanentes, infelizmente negligenciados pela pressa e pela
displicência destes tempos: o hábito da leitura, o ato de escrever à mão e as
refeições demoradas.
Sobram
resenhas insossas com a tentativa inútil de substituir, em 50 linhas, a
aventura deslumbrante das 7.177 páginas dos quatro volumes encadernados em
couro da obra de Proust na Bibliothèque de la Pléiade. Entretanto, resumos
pasteurizados são tão insuficientes quanto um sanduba solitário, de pé, à beira
de um balcão. Os vagares da leitura são inexcedíveis.
Hoje
se sabe que, além do prazer que proporciona, ler é um valioso esforço cerebral
associado ao ato de escrever à mão. Pesquisas recentes sugerem que ler e também
escrever à mão são atividades que funcionam como vigorosos exercícios de ginástica
cerebral. E mais: quando as crianças, antes de sucumbirem à digitação, aprendem
primeiro a escrever à mão, elas não apenas são alfabetizadas em menos tempo;
também se mostram mais capazes de gerar ideias e reter informações.
Os
benefícios de escrever à mão transcendem a infância: para os adultos, digitar
por certo é mais rápido, mas pode reduzir a capacidade de processar informações
novas. Ler e escrever, em especial do jeito tradicional, são tarefas cognitivas
complexas: juntam “numa única orquestra de neurônios” – na elegante imagem de
um especialista – áreas cerebrais de ação motora, da linguagem e do raciocínio.
O
outro item negligenciado nestes ásperos tempos faz parte dos rituais mais
antigos da humanidade: refeições em grupos de amigos ou familiares, em horários
certos. Os pequenos vínculos que unem as famílias e a estabilidade dos lares são
forjados à mesa. Por isso, há quem diga que, do ponto de vista da unidade
familiar, comer junto é mais importante do que a fidelidade conjugal.
Quem
come acompanhado, conversando animadamente com amigos e familiares, no mínimo
tem de repartir o tempo entre a comida e os convivas. Aquele que come sozinho,
afora o desencanto, tem só o prato de comida como companhia. Ou seja, jantares
solitários, além de tudo, engordam.