15
de outubro de 2014 | N° 17953
MARTHA
MEDEIROS
Quartos de hotéis
A
maioria das pessoas adora hotéis. Eu também adoro quando estou acompanhada, já que
é sinônimo de lua de mel, minha modalidade favorita de viagem. O mundo lá fora
deixa de importar e me converto: era exatamente o que estava precisando, um
tempo alienado para praticar todo o amor que houver nessa vida.
Mas
nem sempre estamos acompanhados. A inspiração deste texto veio da exposição
fotográfica do argentino radicado na França Daniel Mordzinski, chamada Quartos
de Escrita – Retratos de Escritores em Hotéis. Ele clicou 70 escritores
hospedados em diversos locais do mundo. Há quem tenha sido captado em momento íntimo
e introspectivo e há os que fizeram poses bem-humoradas. O elenco é de respeito:
estão entre eles Saramago, Vargas Llosa, Jorge Amado, Umberto Eco, Philip Roth,
Verissimo, Nélida Piñon, García Márquez, Jorge Luis Borges, Jonathan Franzen – a
nata.
Literatura
e hotel formam uma dupla mística. O Pera Palace, em Istambul, até hoje é conhecido
como a segunda casa de Agatha Christie. Assim como ela, muitos autores
iniciaram ou terminaram seus romances entre as quatro paredes impessoais de uma
espelunca de beira de estrada ou de suntuosas suítes. Romances literários e
romances carnais também – num hotel, tudo acontece.
Viajo
muito a trabalho e conheço bem a sensação de ser uma escritora recolhida em um
quarto isolado entre centenas de outras portas: também sou envolvida pela
introspecção, mas não produzo. Nem uma única linha escrevo fora do escritório
que mantenho em casa. Preciso da dinâmica dos dias para me impulsionar.
Num
quarto de hotel, o tempo sofre uma estagnação, a falta de rotina engessa os
minutos e as horas. As Horas. Nome do romance de Michael Cunningham, em que ele
escreve uma das cenas mais pungentes da literatura norte-americana, a fuga de
uma dona de casa para um quarto de hotel a fim de resgatar sua solidão. Que
melhor lugar para esse encontro íntimo?
Não
sei se paro de viver quando estou sozinha num quarto de hotel ou se estou viva
demais, além do que posso suportar. Para mim, trabalhar em um quarto de hotel
significaria acolhê-lo e por ele me sentir acolhida, no entanto, não consigo
invocar essa familiaridade. Preciso que a mística se mantenha: eu e ele com a
respiração suspensa por sermos dois estranhos sabedores do nosso curto e estéril
tempo de convívio. O nada define minha estada.
Sozinha
num quarto de hotel, sou ninguém. Não escrevo porque perco minhas referências. A
paz vira melancolia. Tudo é lindo, limpo, confortável, mas se alguém tentasse
me fotografar, me pegaria totalmente fora de foco.
*Na
próxima atualização do meu site, segunda-feira, postarei algumas fotos da
exposição e demais comentários, em martha-medeiros.com