23
de outubro de 2014 | N° 17961
MÁRIO
CORSO
Gosma
Esses
tempos, o nosso poeta Nei Lisboa afirmou que no Rio Grande do Sul temos cinco
estações: primavera, verão, outono, inverno e gosma. É por essas coisas que não
se pode deixar ciência na mão de artista. Qualquer gaúcho percebe a imprecisão
conceitual, o descaso pelo detalhe. Ele não faz a clara distinção que existe
entre gosma quente, gosma fria e instabilidade gósmica.
Como
talvez seja lido por estrangeiros, explico o que é gosma. Claro que existe a
umidade, mas ela é um estágio anterior, mais tênue, da gosma. A umidade aumenta
a sensação térmica, a gosma a multiplica. Logo, a gosma é quando realmente a
coisa pega. Dizem que nos dias de gosma se poderia deixar os peixes soltitos
fora do aquário, só não recomendo porque ainda não testei.
O
nome vem dos efeitos. Tudo, e quando digo tudo é tudo mesmo, fica recoberto por
uma camada fina e pegajosa, uma fase anterior ao bolor, um bolor líquido. Você
lava o cabelo e duas horas depois parece que não o lava há uma semana? É dia de
gosma. Dói a cicatriz do nono? É gosma. Nosso corpo sua mesmo que esteja muito
frio? Gosma na certa.
Talvez
outro conceito que atrapalhe os não nativos seja o conceito de instabilidade
gósmica, que é quando o clima não se decide pela modalidade gósmica e deixa o
vivente indeciso entre bota ou alpargata. São os dias em que o clima faz que
vai, mas não vai e acaba indo na direção contrária da que pensamos. A
instabilidade gósmica, também chamada de gosma oscilante, é o momento gósmico
bipolar em que as gosmas freneticamente se alternam.
Portanto,
se você quer entender o nosso clima tem que partir do básico: temos sete
estações no Estado. E elas se sucedem como em todos os lugares, mas aqui podem
rodar várias no mesmo dia, quando não todas.
Difícil
é fazer os outros nos entenderem. Sabe aquele desânimo que bate quando um amigo
de fora está para vir e nos pergunta: o que que levo de roupa? A gente tem que
dizer: tudo! Claro, existem parâmetros básicos: não precisa de japona em
janeiro, como não é preciso trazer Havaianas (aquele chinelo de borracha
brasileiro que infelizmente pegou por aqui) em julho, mas fora isso, vai que é
uns dias de gosma, melhor estar prevenido. Em resumo, vem moda, sai moda, o que
não muda é que gaúcho se veste como uma cebola, em uma sucessão de camadas que
podem ser retiradas e recolocadas ao longo do dia.
É
equivocado dizer que o Cléo Kuhn não acerta. Ele acerta, apenas não se rende
aos conceitos locais. Ele se sente no dever de usar o vocabulário comum, da
meteorologia tradicional, utilizada no resto do mundo e não afina a sintonia do
vocabulário correto para nosso Estado. Dissesse ele: “Olha gente, hoje vem
muita gosma”. Nem precisaria dizer qual, a gente já entende que é para se
precaver para tudo.