terça-feira, 16 de dezembro de 2014


16 de dezembro de 2014 | N° 18015
DAVID COIMBRA

A DOCE VOLTA AO PASSADO

Sem saudosismo, dizem todos. Sem saudosismo, é a recomendação que ouço por aí. Parece que é ruim ser saudosista. Que droga, eu sou. Não me importo de sentir saudade de algumas coisas. O que não quer dizer que gostaria de voltar ao passado. Gosto é de LEMBRAR do passado.

O Douglas de volta ao Grêmio, por exemplo, me faz sentir certa nostalgia dos anos 70 com suas pantalonas, seus Gordinis, com Renato e seus Blue Caps cantando versões das músicas dos Beatles. Feche os olhos e sinta um beijinho agora...

Não há como não evocar o melhor jogador que já vi num campo de futebol, Roberto Rivellino.

Neruda escreveu um dia que “o homem quer ser peixe ou pássaro, a serpente queria ter asas, o cachorro é um leão confuso, o engenheiro quer ser poeta, a mosca estuda para andorinha, o poeta trata de imitar a mosca, mas o gato quer ser só gato”.

E é isso. Douglas queria ser um Rivellino, outros tantos quiseram, até Maradona e Ronaldinho queriam, mas Rivellino quis ser só Rivellino. E foi.

Douglas, de fato, não é um Rivellino, mas é um camisa 10 ortodoxo, que zanza pelas intermediárias da vida, dá toquinho e amansa a bola e o jogo.

Era bom aquele tempo em que os meias eram meias, os centroavantes eram centroavantes e, nas pontas, havia pontas. Quem é que bagunçou tudo? Tenho a impressão de que foi a Holanda de 74. Cruyff era para ser o 10; não foi: jogava com a 14 e não ficava trotando pelas imediações do grande círculo, não, arremetia com velocidade obscena para cima das defesas, passava entre quatro, cinco marcadores, derivava para a ponta, era visto nas duas áreas, movimentava-se o tempo todo. Um chato.

Depois daquela Holanda vertiginosa, vestida com aquela estranha cor de laranja, jogando com números trocados, sem que ninguém guardasse posição, depois deles, começou a esculhambação. De repente, os pontas sumiram. Onde estão Valdomiro e Zequinha? Onde estão Lula e Ortiz? Onde estão Edu, Nei, Joãozinho, Vaguinho, Cafuringa, Jésum, o pequenino Osni, o menor ponta do Brasil, onde estão todos? Viraram alas. Alas, onde já se viu?

E, um dia, um jogador calçou chuteira branca, outro chuteira azul, outro vermelha, outro amarela, e agora uns jogam com a esquerda de uma cor, a direita de outra. Ora, ora, chuteira tem que ser preta, a camisa tem que estar para dentro do calção e o uniforme do goleiro devia ser todo preto também. Aí a culpa foi do Grêmio: antes do Raul, do Cruzeiro, Germinaro jogou de camisa amarela nos anos 50. Depois, Leão apareceu com umas camisas listradas. Dizia que aquilo fazia o atacante mirar nele na hora do chute. Mais tarde, Danrlei passou a desenhar o próprio uniforme. Um goleiro costureiro. A ousadia acabou com Rogério Ceni marcando mais gols do que o D’Alessandro. O camisa 1 fazendo mais gols do que o 10. Tem cabimento?

Não, não, camisa não pode ter patrocínio, o calção não pode descer até o joelho, centroavante tem que ficar na área e ponta tem que driblar lateral, lateral só vai até a linha divisória e zagueiro só pode marcar gol de cabeça, e em escanteio.


Nada disso de comemorar gol com dancinha, nada de cabelo moicano, nada de brinco na orelha e tatuagem no pescoço, nada de Inter com camisa amarela, nada de time com camisa rosa, voltemos ao barro da vida, à simplicidade, sejamos Mujicas, tenhamos nada mais do que nossos Fuscas 77 e nosso guaipeca no quintal, larguem o I-phone 6, parem de postar fotos no Instagram, fechem o Facebook. Douglas com a 10. Um Pedro Rocha. Um Ademir da Guia. Uma tentativa de Rivellino. Tomara que os adversários entendam essa nostalgia. Tomara que os adversários respeitem essa doce volta ao passado?