16
de dezembro de 2014 | N° 18015
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Como nasce um fofoqueiro
O
fofoqueiro não nasce levantando o gancho do telefone para ouvir a conversa
alheia.
O
fofoqueiro não nasce captando o que se fala atrás da porta.
O
fofoqueiro não nasce fazendo perguntas indiscretas para depois passar adiante.
O
fofoqueiro não nasce na janela do condomínio prestando atenção em quem entra e
sai no prédio.
O
fofoqueiro não nasce registrando os papos paralelos nos restaurantes e bares.
O
fofoqueiro não nasce no salão de beleza, no supermercado, nos corredores dos
shoppings.
O
fofoqueiro não nasce no churrasco dos domingos.
O
fofoqueiro não nasce ao espalhar o que não tem certeza.
O
fofoqueiro não nasce de sua maldade na escola, da língua solta no recreio.
O
fofoqueiro nasce muito antes. Muito antes.
Descobri
quando nasce o fofoqueiro, o exato instante em que ele vem à tona, o momento em
que sua alma solitária passa a ser enxerida, em que perde a admiração pelo
respeito e silêncio e torna-se um agente do ruído.
Quando
seus pais deixam o filho dormir no meio deles.
Quando
os pais permitem que seu filho durma por longo período na cama de casal.
Quando
seus pais não colocam o filho de volta para seu quarto, sensibilizados pelo
medo ou pela chantagem emocional.
A
criança aprende que pode se meter na vida dos outros. É autorizada a estar
infiltrada na intimidade, apropriando-se do que não é dela. Não recebe nenhuma
negativa para estabelecer limites. Age pelo impulso da emoção, inconsequente,
pois seus caprichos acabam atendidos com rapidez.
Ficará
eternamente confusa sobre onde começa e termina sua liberdade. Pois toda casa é
seu berço, todas as pessoas são influenciadas por ela.
Não
diferencia o coletivo do particular. Percebe que a manha é uma moeda e que
mentir sempre funciona para conseguir o que quer.
Não é
inspirada a respeitar os espaços, a consolidar sua solidão, a manter seus
segredos e territórios da imaginação.
Por
mais bem-intencionado que seja o acolhimento, é um convite para a especulação
emocional.
Num
simples ato de aceitar que o filho não descanse em seu quarto, validamos que
seja penetra das confidências.
Tem
um passaporte para chegar a qualquer hora, a qualquer momento, e interferir nos
acontecimentos.
Acostuma-se
a não ter um lugar, e assumir papéis que não são seus.
O
fofoqueiro é o resultado da insegurança dos pais.