segunda-feira, 15 de dezembro de 2014


15 de dezembro de 2014 | N° 18014
L. F. VERISSIMO

Rumo a Belém

Três exemplos italianos para a gente: um bom, um mais ou menos e um ruim.

Primeiro o exemplo bom: a Itália enfrentou uma onda terrorista violenta (Brigadas Vermelhas etc.) ao mesmo tempo em que no Brasil a ditadura usava o anticomunismo como pretexto para o arbítrio e a barbárie. Na Itália, ao contrário do Brasil, nenhuma instituição democrática foi sacrificada na luta, não houve censura à imprensa nem (que se saiba) tortura oficializada.

Segundo exemplo: o período das Mãos Limpas na Itália é o óbvio modelo para a faxina em curso no Brasil. Lá também tudo começou com um juiz determinado e um asco generalizado com a política e a corrupção, agravado com uma revolta contra o poder antigo e arraigado da Máfia. O exemplo só não é muito bom porque as mãos limpas passaram e os maus costumes aparentemente continuaram, e a Máfia ainda manda. No caso, o exemplo é de frustração.

O terceiro exemplo italiano é um exemplo do que evitar: o resultado da campanha moralizante foi a desmoralização total de políticos e de partidos tradicionais. O efeito colateral das mãos limpas foi uma paisagem de terra arrasada, e no meio das ruínas fumegantes apareceu – montado na sua imagem de empresário moderno e vitorioso – o Berlusconi! Muita gente comparou a ascensão de Berlusconi à de outro bufão, o Mussolini, e a atribuiu ao inexplicável hábito italiano de, vez por outra, suspender o senso do ridículo.

Mas a única semelhança de Berlusconi com o líder fascista era que ambos representavam um cansaço com a política tradicional e uma promessa de glórias, no caso do Duce, glórias imperiais, no do Berlusconi, a glória do sucesso. O ridículo Berlusconi não só governou a Itália por um bom tempo como voltou ao poder mais de uma vez.

Se acontecer no Brasil o equivalente à descrença terminal com a política da Itália, quem seria o nosso Berlusconi? Ou, como escreveu Yeats no seu poema famoso, que besta grosseira, seu tempo finalmente chegado, se arrasta na direção de Belém para nascer?


Yeats escreveu seu poema no fim da carnificina da I Guerra Mundial, quando a reputação de políticos e de estadistas e da humanidade inteira estava no seu ponto mais baixo. Ninguém acreditava em mais ninguém. Não parece o Brasil, hoje? Só se espera que o que se arrasta para nascer em Belém não seja uma besta grosseira demais.